2018 em três histórias morais

Podemos ter tribunais que decidem por vezes mais devagar do que gostaríamos, podemos ter ainda algum obscurantismo e devoção burocrática na nossa legislação e nos nossos serviços, mas temos também do melhor que se faz no mundo.

1. Há uns meses, numa longa viagem de comboio pouco programada num país asiático, coincidi na mesma carruagem com um inglês. Sendo os únicos estrangeiros em todo o comboio e não sendo o inglês a língua mais universal naquele mundo circunscrito e ondulante que se arrastava a 20km/h, acabámos por nos tornarmos interlocutores privilegiados um do outro – pelo menos nas primeiras horas, que depois qualquer palavra se tornou demasiado esforçada e erudita perante o cansaço e o calor acumulados.

Ele estava a meio de um ano auto-atribuído de férias e reflexão, após alguns anos de City londrina. Trabalhava num dos grandes bancos do mundo, como um dos responsáveis pelo departamento anti-branqueamento de capitais daquela instituição financeira. E recordo bem o travo de amargura que se desprendia das suas palavras quando me dizia também: - Basicamente ajudamos oligarcas e magnatas de todo o mundo a esconder e a lavar dinheiro…

Departamento anti-branqueamento e lavagem de dinheiro. Como não me apetecia escarafunchar sadicamente na contradição que o levara já àquele comboio e a outros durante tantos meses, devo ter sorrido apenas com um ar de compreensão e não perguntei mais nada. Ao chegarmos ao nosso destino, 14 horas depois da partida, uma chuva torrencial esperava-nos. E ele ficou com o único táxi que esperava passageiros à porta da estação. 

2. Tornou-se muito mais difícil nos últimos anos contratar qualquer serviço ou adquirir qualquer bem na Administração Pública portuguesa, pelo menos na Administração Central. Em nome do rigor financeiro e orçamental, primeiro, e em nome da transparência e da prevenção da corrupção, depois. O resultado é por vezes rigorosamente divertido. E de uma desilusão cristalina.

Não se podem adquirir viaturas, nas quais o Estado aliás nem sequer pagaria a si próprio Imposto Automóvel. Portanto eternizam-se carros de vinte e mais anos, com custos elevadíssimos de manutenção e de consumo. Como alternativa, entretanto, não se podendo comprar carros, podem afinal alugar-se a empresas de rent-a-car, se preciso for ao dia, o que se faz.

Noutra vertente, existem centrais de compras e acordos-quadro para a aquisição de diversos materiais e equipamentos. A dado momento era necessário comprar 6 cadeiras com características nada extraordinárias. Como se tratava de um bem catalogado e coberto por esses acordos gerais com certos fornecedores do Estado, não era possível comprar fora desse catálogo ou assim me diziam. Só que isso implicava, neste caso concreto, pagar mais de 200 euros por uma cadeira, o seu custo ao abrigo desse acordo com o Estado – idêntica ou pior do que aquela que, se formos a uma loja ali ao lado, custa a qualquer um 50 ou 60 euros… 

3. Portugal foi recentemente escolhido como caso de estudo por um outro país no que diz respeito ao uso de tecnologia no seu sistema de justiça, em especial nos tribunais. Uma escolha que inclui apenas três casos de estudo internacionais: para além desta nossa terra eternamente insatisfeita e pouco crente nas suas realizações, também Singapura e o Reino Unido. Podemos ter tribunais que decidem por vezes mais devagar do que gostaríamos, podemos ter ainda algum obscurantismo e devoção burocrática na nossa legislação e nos nossos serviços, mas temos também do melhor que se faz no mundo. E isso não é milagre nenhum: chama-se planeamento e trabalho.

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