Homens duplicados

Ozon às vezes afunda-se numa rotina polida e super-profissional, mas muito superficial, que não desagrada de todo mas não se ergue acima de uma irrelevância bubble gum — é o caso deste O Amante Duplo.

“Pós-modernidade” cinéfila: <i>O Amante Duplo</i>
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“Pós-modernidade” cinéfila: O Amante Duplo
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É o segundo filme de François Ozon a estrear-se em Portugal este ano, depois de Frantz, e se o realizador francês tem o hábito de mudar tudo de filme para filme (uma inconstância que vive paredes meias com a inconsistência) desta vez até se encontra um “transporte” bastante evidente: o tema do duplo, do doppelgänger, que era crucial em Frantz (uma variação sobre o Broken Lullaby de Lubitsch, recorde-se) e aqui volta a estar no centro de tudo, tão no centro que até é expressamente chamado ao título do filme. O Amante Duplo parte de uma história de Joyce Carol Oates para contar a relação entre uma jovem ex-modelo (Marina Vacth, “descoberta” por Ozon em Jovem e Bela) e o seu psicoterapeuta, que tem um irmão gémeo que por acaso também é psicoterapeuta (nos dois casos, Jérémie Renier, actor que vem do mundo dos Dardenne). Os Irmãos Inseparáveis de David Cronenberg, claro — e dir-se-ia que Ozon começa imediatamente a citar o filme do canadiano, com aquelas imagens clínicas (propriamente ditas) que depois se transpõem para os ambientes assépticos, frios, mostrados numa fotografia muito clara, que dominam a atmosfera do filme.

O problema é que a cerebralidade perversa de um filme como aquele não se imita facilmente, e Ozon parece hesitar entre um “primeiro grau” e uma certa paródia, um lado um pouco pulp que se nos afigura ser também um pouco auto-defensivo. Daí, porventura, a inscrição do filme num arremedo de fórmulas de “género”, o “thriller psicológico” a desdobrar-se no filme de medo, com fintas ao horror movie (um pouco Polanski, certamente não por acaso: a cabeleira curta de Vacth lembra a Mia Farrow de A Semente do Diabo, e as incidências narrativas tornarão essa relação ainda mais evidente) e as às suas declinações eróticas (há cenas de sexo a dar com um pau, passe a expressão). Em paralelo, abusa dos sublinhados, filmando e refilmando cenas de espelhos e reflexos, para que a “duplicação” permanente não escape a ninguém — e aliás insiste tanto nisto que mais uma vez pensamos se não relevará de uma vontade auto-paródica, aliás eventualmente reforçada pelo final, o truque mais antigo do mundo apresentado em toda a seriedade. Enfim, que também não se diga que esta “pós-modernidade” cinéfila, especular em si mesma, não é uma das características do cinema de Ozon. É-o, desde o princípio, umas vezes vive melhor (como em Frantz, justamente), outras vezes afunda-se numa rotina polida e super-profissional, mas muito superficial, que não desagrada de todo mas não se ergue acima de uma irrelevância bubble gum – é o caso deste O Amante Duplo.

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