Portugal na Europa

Enfrentamos hoje um momento crítico. Temos de decidir o caminho a escolher. O Ocidente está em decadência mas o declínio da UE não é inevitável.

1. Ao longo dos tempos, a Europa foi um espaço de realidades diferenciadas, quer pela multiplicidade dos povos e respectivas identidades que vieram a integrar a unidade europeia, mas também bipartida pelas concepções do mundo que servem de referências directoras para a gestão do Estado e da sociedade civil.

O futuro da Europa, no mundo global e interdependente em que vivemos, e o futuro de Portugal na Europa, é uma das consequências das crises, pelo seu impacto na vida dos portugueses, mas, acima de tudo, pela natureza das decisões que nos continuarão a ser exigidas.

Há 30 anos, a entrada na “Europa” representava para os portugueses a liberdade, a abertura cultural, a democracia, a prosperidade. Era uma Europa muito diferente desta – esquecida das suas antigas promessas de paz e solidariedade –, que parece não saber o que quer nem para onde vai.

No entanto, o processo de integração europeia desde a sua fase “reconstrutiva e construtiva”, integradora e inclusiva, até aos efeitos das condicionalidades regressivas, tem vindo a desconstruir o edifício europeu. E Portugal poderá ser a plataforma entre outras culturas, civilizações, oceanos e continentes.

Nesse sentido, Portugal não pode ficar refém da União Europeia (UE) com crise de governança, condicionada pelas decisões da Alemanha, cujo projecto de solidariedade e coesão social – concretizados nos tratados internacionais e instituições – foi “subvertido”. Sem aprofundar a integração e a democracia, eliminando os efeitos assimétricos da moeda única e a segmentação dos mercados, será inevitável a desintegração.

2. Os tratados e instituições burocratas da UE foram subvertidos e esta passou a ser uma entidade disforme e híbrida: não é uma entidade geopolítica porque não tem instrumento militar e, nos momentos difíceis, depende dos EUA, cuja relação está enfraquecida pelo efeito Trump; nem é uma entidade económica sustentável, pois, para isso, precisava de ter uma política económica e apenas tem política orçamental imposta pela Alemanha que serve os seus interesses e estratégia mercantilista. Os países pequenos deixaram de ter voz.

Há um défice profundo de entendimento do que é hoje a UE com recessão democrática, sem cidadania europeia e com uma zona euro em que a moeda única foi mal arquitectada por agendas nacionais e egocentrismos da Alemanha sem zelar por uma União Económica e Monetária (UEM) com instrumentos para harmonizar a integração de economias com diferentes graus de desenvolvimento. A UE está unida à força pelos tratados que não prevêem a saída do euro, que é a armadilha que os povos pagam com a liberdade. O euro pode não acabar mas poderá começar a desmoronar-se caso não haja mais integração.

A crise Europeia é uma crise com quatro vertentes: a falta da união bancária, as dívidas soberanas, o subinvestimento e a degradação social, que em breve poderá passar à deflação. A intervenção do BCE com estímulos à economia pode ter vindo tarde.

A crise financeira global de 2008 revelou e despertou as fragilidades originais da UEM, transformando o euro no contrário daquilo a que se destinava quando foi criado: um factor de convergência em vez da desagregação e de desigualdade. Por outro lado, os populismos e a crise dos refugiados podem também levar a UE a um processo de desagregação.

A Europa enfrenta uma crise migratória alimentada por discursos de ódio. À medida que os números aumentam, instala-se um medo daquilo que o fluxo poderá significar para a segurança dos países de acolhimento, exacerbado pelo fenómeno ser frequentemente associado com o terrorismo e a criminalidade transnacional. A Europa terá que aprender a conviver, nas próximas décadas, com esta pressão migratória. E, se ignorar as causas deste fenómeno, o tráfego de seres humanos não terá fim.

A falta de recursos e confiança criaram divisões irreversíveis na Europa debilitando os países periféricos do Sul e enfraquecendo a relação transatlântica, com os EUA a reorientarem a sua estratégia e o seu principal esforço para a área de influência da região Ásia/Pacifico. Esta importante alteração geoestratégica pode condicionar Portugal, quando pretende utilizar o mar como seu principal potencial estratégico numa fase em que a atribuição da Plataforma Continental por parte da ONU poderá ser influenciada por outras potências europeias.

Portugal tem sido uma referência no caminho político para uma UE mais próxima das pessoas e dos seus valores fundadores. Num mundo em transformação acelerada, os valores europeus têm que inspirar novas políticas geradoras de confiança e bem-estar.

A Europa e Portugal necessitam de um novo paradigma de desenvolvimento enquadrado por uma Estratégia Nacional (Estratégia Global do Estado) em linha com uma Estratégia Europeia, no médio prazo, que não ignore as realidades socioeconómicas e culturais e seja pensado em conjunto ao nível político e empresarial, com os sindicatos e universidades, que potencie a inovação, competitividade, bem como a qualificação dos recursos humanos.

A actual situação é vivida com muita apreensão e consternação. Porque passámos a ter uma crise institucional que ninguém assume, reforçada pela mentira institucionalizada.

3. A Europa está rodeada de crises e passou a ser ela própria a crise – produtora de crises – com contradições insanáveis e clivagens na geografia dos povos, que conduz à desconfiança e rejeição do projecto de unidade europeia. E com as elites europeias burocratas sem pensamento político e sem visão de conjunto sobre o futuro, com os “interesses comuns” deslaçados ou inexistentes, não é possível evitar a sua fragmentação. É um desafio à sua relevância e à segurança. Como refere o Presidente da República, a “UE tem de agir para antecipar crises”.

Os líderes autistas das instituições europeias não sabem lidar com as incertezas do mundo de hoje e deviam saber encarar as Forças Armadas (FA) como importante instrumento da segurança nacional e de uma política externa com dimensão, numa fase em que a Aliança Atlântica está em causa. Só assim é possível responder às complexas ameaças, que ultrapassam as fronteiras geográficas. A renovação da arquitectura de defesa da UE constitui uma prioridade, sem condicionar a soberania da intervenção autónoma dos Estados-membros, e tendo presente que a Defesa Nacional não é um milagre!

Uma das soluções para que a UE possa contribuir para a produção de segurança global é passar a ser um actor credível na ordem internacional, principalmente pelo apoio à construção de alianças regionais e globais mais consistentes – dando prioridade à parceria estratégica com África. Por outro lado, tem de promover o investimento em instituições internacionais de forma a transformar-se numa UE com maior nível de integração, melhor coesão política dos Estados-membros e uma verdadeira política de segurança e defesa, que não passa pela criação de um Exército europeu, mas sim complementar da Aliança Atlântica.

A democracia reclama um modelo de sociedade assente na vocação cívica e escolhas de cidadania mais lúcidas. É essa que justifica, para os cidadãos, os direitos e os deveres de participação democrática. A cidadania tem que incutir estas responsabilidades, ou seja, o sentimento de comunidade que fundamenta direitos e deveres recíprocos e não o inverso.

A construção europeia só pode ter futuro se as decisões europeias forem aceites como legítimas pelos povos. Aquelas decisões requerem melhores políticas públicas, esforço de negociação e compromissos, porque partem duma grande diversidade de interesses. E, por isso, têm de ser percepcionados como vantajosos pelos Estados-membros envolvidos. São necessários verdadeiros europeístas e estadistas convictos.

Enfrentamos hoje um momento crítico. Temos de decidir o caminho a escolher. As divisões políticas internas persistem intactas, a recuperação económica parece demasiado frágil e os extremismos populistas antieuropeus crescem por toda a parte. Para inverter a dinâmica de fragmentação regional, os responsáveis políticos portugueses e europeus precisam de reinventar a aliança entre a democracia liberal, a inovação económica e a integração regional. O Ocidente está em decadência mas o declínio da UE não é inevitável.

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