IPO de Lisboa gasta um milhão de euros por semana em medicamentos. "Há pressão" da indústria e da sociedade

"Existe uma noção que não tem sido contrariada de que tudo o que é novo é forçosamente muito bom e, portanto, merece ser muito caro, mas não é verdade", diz o presidente do IPO de Lisboa.

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Rui Gaudencio

A despesa com medicamentos tem "crescido muito depressa", representando cerca de um milhão de euros por semana no Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa, segundo o seu presidente, que defende regras para travar os preços dos novos fármacos.

Em 2016, o instituto gastou 37 milhões de euros em medicamentos, em 2017, 40 milhões e este ano vai aproximar-se dos 50 milhões de euros, ou seja, cerca de um milhão de euros por semana em medicamentos, afirmou em entrevista à agência Lusa o novo presidente do IPO de Lisboa. João Oliveira assumiu o cargo em Novembro.

"A despesa com medicamentos tem crescido muito depressa, e não é só no instituto de oncologia, mas na oncologia particularmente, e tem sido muito difícil uma previsão feita agora é muitas vezes falseada nos meses que se seguem de uma maneira completamente imprevisível", adiantou o médico oncologista.

João Oliveira advertiu que esta tendência vai continuar "se não houver possibilidade, tanto a nível nacional como a nível interestadual na Europa, de criar algumas regras à forma como o preço dos novos medicamentos vem aumentando, nem sempre em correspondência com a valia que eles têm".

"Existe uma noção que não tem sido contrariada de que tudo o que é novo é forçosamente muito bom e, portanto, merece ser muito caro, mas não é verdade", frisou na entrevista a propósito dos 95 anos do IPO de Lisboa, que se assinalam a 29 de Dezembro.

No seu entender, "é muito importante" que "uma grande instituição, como é o Serviço Nacional de Saúde, tenha capacidade para distinguir o que é de facto uma grande inovação e uma terapêutica, que merece um preço elevado, e coisas que vão à boleia das inovações só porque apareceram na mesma altura e que não justificam uma despesa tão grande".

"Mas isto é uma capacidade que tem que ser criada intrinsecamente, não é uma coisa que se beba na Europa, cada país e quase que cada instituição tem as suas particularidades e tem que ter a sua capacidade de avaliação", sustentou.

Questionado se há pressão por parte da indústria a da própria sociedade para os hospitais adquirirem medicamentos inovadores, o administrador afirmou: "Claro que há pressão".

"Há pressão" porque as pessoas dão "muito valor aos medicamentos e, por isso, é muito fácil que se crie uma opinião de que, ao considerar que determinado medicamento não é tão bom como as expectativas o davam, se está a ter uma atitude 'financeirista', mas não é o caso, é mesmo uma questão de distinguir as pressões de carácter comercial das pressões de carácter médico e isso não é sempre fácil".

Para o administrador, é preciso separar o que "é imperativo usar porque vai de facto mudar a vida das pessoas" do que está "a ser promovido de uma maneira puramente comercial".

"Mas essa é uma distinção que precisa de know-how médico e de outras profissões e que tem que ser consignada e reconhecida" e que "não se resolve a nível de uma instituição única", disse, defendendo que terá de ser o SNS, com a escala e a dimensão que tem e com a sua capacidade de avaliação, "distinguir o essencial do acessório".

Se fica alguma coisa por fazer devido ao crescimento da despesa com medicamentos, João Oliveira afirmou que não, mas "cria-se défice e cria-se dívida".

"É preciso ter uma grande capacidade e uma capacidade que tem que ser sistémica do Serviço Nacional de Saúde para perceber onde é que se gasta bem o dinheiro, e isso acho que temos a nível nacional algum caminho por fazer", e "uma capacidade grande para distinguir o acessório do essencial e vontade para contrariar algumas expectativas comerciais que sendo justas contribuem para desequilibrar".

É "muito difícil" fixar os melhores profissionais

O presidente do IPO de Lisboa também frisou que tem sido "muito difícil" fixar os melhores profissionais, lamentando não haver forma de os premiar além do reconhecimento profissional. "Tem havido sempre uma certa drenagem de profissionais para o privado", defendendo que é preciso encontrar formas mais eficazes para os reter.

"Não é novidade para ninguém que os serviços públicos neste momento têm dificuldades em manter os seus quadros, nomeadamente na saúde, a competição com o sector privado é muito grande e os argumentos para retermos os melhores profissionais não são muitos e isso obriga-nos a ser imaginativos e sobretudo a tratarmos bem as pessoas", adiantou.

João Oliveira lembrou as "muitas restrições à remuneração e às condições de trabalho dos servidores públicos" ocorridas durante os anos da crise. "A evolução das carreiras nas diversas profissões teve tempos diversos que criaram uma complexidade enorme, o que associado às restrições, que foram sempre muito cegas, cria problemas até legais na forma como remuneramos, premiamos e reconhecemos o labor dos nossos profissionais", adiantou.

Mas, apesar das dificuldades e de "um desfavorecimento muito grande em relação aos sectores privados, segundo aquilo que nos dizem, nunca nenhum profissional regateou a sua colaboração, com a maior das dedicações, apesar de se sentir injustiçadamente mal compensado do ponto de vista remuneratório".

"Isso é uma riqueza que este instituto tem e que gostaríamos de continuar a premiar, podendo encontrar formas de fixar os nossos profissionais de maneira mais eficaz", defendeu.

O oncologista, que exerce funções no IPO há 27 anos, apontou ainda as dificuldades que existem para recrutar profissionais para substituir os que saem e a sua integração, que "leva tempo e consome esforço".

"Os profissionais das diferentes áreas da nossa actividade têm qualificações que se adquirem ao longo de vários anos e não são facilmente substituíveis por quem recrutamos de novo. Portanto, esta integração leva tempo e consome esforço e muitas vezes para fixarmos uma pessoa temos que recrutar várias", lamentou.

Por outro lado, quase todos os recrutamentos precisam de ser autorizados pelos ministérios da Saúde e das Finanças, o que cria dificuldades e consome "muito esforço" interno.

"Nós compreendemos que têm que ser bem justificadas as necessidades de mais profissionais, mas muitas vezes acabamos por ter que justificar coisas que são óbvias e isto não é rentável do ponto de vista do esforço dos administradores e dos médicos e dos profissionais que têm de elaborar essas justificações", adiantou.

Questionado sobre como se gere um aumento de doentes com falta de recursos humanos, João Oliveira disse que é "com dificuldade", tentando "hierarquizar muito bem as coisas que são indispensáveis daquelas que possam ser menos necessárias, mas o que tem acontecido é um grande aumento da carga de trabalho a todos os níveis".

"Lutamos todos os dias para diminuir a lista de espera"

Falando sobre as listas de espera, o presidente do IPO disse que a instituição tem conseguido cumprir os tempos máximos de resposta parcialmente, não com todos os doentes.

"Lutamos para que o consigamos, lutamos todos os dias para diminuir a lista de espera" essencialmente cirúrgica, o que exige uma "gestão muito rigorosa" dos recursos humanos no bloco operatório.

Com o novo bloco operatório, o IPO vai "ter mais capacidade e maior agilidade na utilização" dos recursos, "mas vai ser difícil nos próximos anos livrarmo-nos da lista de espera que também existe um pouco por todos os países da Europa, embora isso não nos conforte".

João Oliveira explicou que uma parte das listas de espera também está relacionada com a capacidade de recobro pós-operatório, de cuidados intensivos, e de unidades de vigilância mais apertada que são necessárias devido à complexidade das cirurgias.

"Se há coisa que mudou na cirurgia do cancro é a complexidade das operações, que justificam maior diferenciação e complexidade dos cuidados pós-operatórios", sublinhou.

Em 30 de Junho, o número de inscritos em lista de espera para cirurgia no IPO era de 1339 doentes e apresentava um tempo médio de espera de 106 dias. A mediana do tempo de espera é de 57 dias.

Encontravam-se nessa data 63 doentes há mais de 12 meses a aguardar cirurgia (5% no total de doentes em lista de espera).

A percentagem de propostas registadas que ultrapassaram o tempo máximo de resposta garantido era de 41%, mas, apesar desta percentagem, para cerca de 13% desses doentes o prazo foi ultrapassado em dez dias e para cerca de 20% em 15 dias, segundo dados do IPO.

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