Maria Teresa Cárcomo Lobo

Teresa Lobo foi agarrando a vida “pelos ombros” e beijando “em ambas as faces” ao longo das décadas

“Eu quero agarrar a vida pelos ombros e beijá-la em ambas as faces.” A frase de Olívia, no Olhai os Lírios do Campo, de Eurico Veríssimo, foi o lema de vida de Maria Teresa Cárcomo Lobo, que faleceu aos 89 anos, no Rio de Janeiro, a 8 de Dezembro. Uma mulher com M maiúsculo, uma senhora imensa, com uma vida cheia que agarrou sempre “pelos ombros” e beijou múltiplas vezes “em ambas as faces”.
Conheci-a primeiro por telefone, em 2000, quando lhe pedi um depoimento para um destaque do PÚBLICO a propósito de uma das discussões parlamentares sobre introdução de quotas mínimas de género na lei eleitoral. A lei só seria aprovada em 2007, mas Teresa Lobo enviou-me um surpreendente texto de apoio a esta discriminação positiva, que contrastava num país tão conservador como Portugal.
E que — de acordo com o feedback que tive — surpreendia ainda mais, porque se tratava da primeira mulher a ter integrado um governo em Portugal, em plena primavera marcellista, a convite de Marcello Caetano, de quem tinha sido aluna na Faculdade de Direito. Teresa Lobo foi subsecretária de Estado de Saúde e de Assistência, entre 21 de Agosto de 1970 e 6 de Novembro de 1973 e depois deputada à Assembleia Nacional, eleita como independente. Esteve assim ligada ao lançamento do Estado-providência em Portugal.
Mantivemos o contacto. Conheci-a pessoalmente em 2002, em Lisboa, onde voltara duas ou três vezes desde 1974. Lançara-se então num doutoramento na Universidade Católica, sobre “A condição jurídica da mulher na União Europeia”. Era, à época, professora na Universidade de Direito Comunitário na Pontifícia Universidade Católica (PUC) no Rio de Janeiro, e detentora de uma cátedra na Academia Brasileira.
Apercebi-me da pessoa rara, peculiar, que Teresa Lobo era nas conversas que tivemos e na entrevista que lhe fiz e que foi destaque do PÚBLICO em 5 de Agosto de 2002. Nascida em Luanda, a 18 de Fevereiro de 1929, de ascendência goesa e filha de um juiz, era uma cidadã do mundo. Viveu em vários lugares (Angola, Portugal, Macau, Moçambique, Brasil). Fez inúmeras coisas. Foi notária em Macau e, a seguir, chefe do Gabinete de Estudos Económicos e Financeiros do Banco Nacional Ultramarino em Moçambique, de onde saiu para o Governo de Marcello. Aos 46 anos, desloca a vida para o Brasil, onde foi gestora de empresas. Aos 53 anos, inscreve-se na Ordem dos Advogados do Brasil e começa a exercer. Aos 59 anos, decidiu fazer exame para juíza e, de seguida, ganhou um concurso para juíza federal do Estado do Rio de Janeiro, dirigindo o Foro da Justiça Federal do Estado do Rio entre 1993 e 1994. Quando se reformou de juíza, como professora universitária abraçou o estudo do Direito Comunitário e do Mercosul e um doutoramento. Depois dos 70 anos foi convidada pela UNESCO para fazer a elaboração da Carta Judiciária do Brasil.
Na entrevista que me deu então, erradia um pensamento cristalino de lucidez e conhecimento, mas também de convicção e entusiasmo. Como, por exemplo, ao afirmar: “Acabar com todo e qualquer resquício de discriminação, sem pôr em causa que há uma diferença, até de natureza. Mas isso não deve ser utilizado para subestimar ou obstaculizar a posição da mulher. A mulher pode fazer tudo aquilo que se prepare para fazer. Se for ser política, é política, se tiver que passar revista à guarda de honra, ela passa revista à guarda de honra, se for preciso pegar numa espingarda para se defender, ela pega na espingarda para defender o seu país, o seu lar, seja o que for. A mulher é um ser completo e é preciso que essa completude seja traduzida, que os poderes públicos, que as políticas públicas lhe dêem essa possibilidade. A mulher tem de atingir esse estado com a maior naturalidade, como se fosse normal. Eu estou aqui, porque sou um ser humano e tenho capacidade. E essa naturalidade desarma as pessoas, abala preconceitos pré-constituídos.”
Teresa Lobo foi-se reinventando sempre. Arriscou sempre. Tinha sede de saber, de conhecer. Foi agarrando a vida “pelos ombros” e beijando-a “em ambas as faces” ao longo das décadas. Com pensamento político sólido, moderno, democrático. Inovou-se sempre. Refez-se. Cresceu. Foi enorme. Grande de mais para um Portugal que nunca a quis conhecer verdadeiramente.

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