Porque é que consumimos?

Então porque é que as pessoas consomem? Eu identifiquei dois aspectos: a grande diversidade de propósitos ou finalidades do consumo e as influências de múltiplos actores e contextos da sociedade.

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NELSON GARRIDO

“Compramos coisas que não precisamos, com dinheiro que não temos para impressionar pessoas de quem não gostamos.” Esta frase do filme Fight Club costuma vir à baila quando se fala de consumismo. Mas explicará mesmo as razões pelas quais “compramos coisas”? Afinal, porque é que consumimos?

A citação do Fight Club refere três aspectos: comprar coisas supérfluas, sem utilidade, com o intuito de as exibir perante pessoas que queremos impressionar, embora nem gostemos delas, e usar empréstimos para o fazer. No fundo a frase sugere que os consumidores são estúpidos, uma vez que se endividam para comprar coisas sem utilidade, só com o propósito de demonstrar um certo status perante estranhos, ou pessoas de quem nem gostam. Quem acha que esta é uma explicação válida para o porquê de os outros consumirem? E quem se identifica pessoalmente com esta explicação?

Embora a citação refira dinâmicas que acontecem em certos contextos, no geral é muito simplista. Para perceber melhor o que motiva o consumo, mergulhei em livros e artigos científicos escritos por investigadores de muitas disciplinas.

Então porque é que as pessoas consomem? Eu identifiquei dois aspectos: a grande diversidade de propósitos ou finalidades do consumo e as influências de múltiplos actores e contextos da sociedade. Segundo a neurociência, há vários propósitos que motivam o consumo: há razões de auto-preservação que podemos associar a questões mais básicas de alimentação, higiene e segurança. Há razões relacionadas com pertencer a um grupo e manter relações próximas com outras pessoas. E há também outras razões sociais, relacionadas com distinguirmo-nos dos outros, querermos saltar à vista, por status, ou para seduzir alguém, por exemplo.

Segundo a antropologia, muito do consumo tem o propósito de exprimir devoção pelos outros. Num contexto familiar, a figura da mãe, que era tradicionalmente quem tratava das compras diárias, é motivada principalmente por tratar bem dos seus. Noutro ramo da antropologia e sociologia, fala-se muito da razão de exprimir a nossa identidade através das coisas que usamos. Isto aplica-se mais a coisas como roupa e acessórios, do que a coisas mais prosaicas, como talheres, por exemplo. Devem ser muito raras as pessoas que não se importam de todo com a roupa que vestem.

Dado a grande variedade, a maior parte de nós leva algum tempo a escolher a camisola que sentimos que liga bem connosco, para além das questões de tamanho e de feitio. Outras vezes o motivo vai para além do estilo pessoal e somos levados pelas modas: "Ah, as calças à boca de sino já não se usam, por isso tenho que comprar calças slim estreitinhas porque senão destoo muito dos outros." Seguir modas às vezes está relacionado com assimilarmo-nos ao que é comum e “normal” a certa altura. As crianças são especialmente vulneráveis a isto, não querem parecer menos do que os amigos, e sentem que precisam de seguir a moda do momento para serem aceites pelos colegas.

Mais recentemente, a teoria das práticas sociais revela o lado prosaico e pragmático de muito consumo. Consumimos não pelas coisas em si, mas porque precisamos delas para fazer certas actividades. Por exemplo, fazer música implica certos instrumentos, tal como fazer desporto, cozinhar, ler, pintar, acarreta outros utensílios. Para a higiene pessoal precisas de água e sabão, e precisas de um carro para te deslocares, se viveres em zonas muito mal servidas por transportes públicos.

Muitas vezes somos motivados por uma mistura de vários propósitos. Quero fazer mais caminhadas nas montanhas, por isso preciso de um calçado apropriado, mas também quero que os sapatos tenham um feitio e cor de que eu goste, ou pelo menos que não sejam verde fluorescente. O marketing e a publicidade também apelam para muitos propósitos, adaptando a publicidade aos motivos do consumidor-alvo. Para uma próxima vez deixo as influências de muitos actores e contextos da sociedade, e dos diversos factores que levaram ao crescimento do consumo em vários períodos da história.

Mas, para já, a propósito da quadra natalícia, lanço o desafio: até que ponto é que precisamos de preencher estes propósitos com compras materiais? No Natal especialmente, e em aniversários, sentimo-nos obrigados a oferecer prendas para expressar os nossos laços familiares ou de amizade. Mas não será possível expressá-los de outra forma, por exemplo combinando passar tempo juntos? Seria melhor para o planeta, mas também para as nossas relações. Mais tempo de qualidade e menos coisas. Bom Natal!

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