Da frustração à decomposição: o tímido optimismo

A direita portuguesa vive, em 45 anos, a sua melhor oportunidade de aggiornamento.

1. Tive oportunidade de apresentar na semana passado o meu livro A Direita Portuguesa, Da Frustração à Decomposição, que reúne as minhas crónicas nos jornais portugueses no período 2004-2018, assim como alguns comentários adicionais, revendo previsões que falharam, avaliações que se alteraram, inevitáveis erros de análise que o tempo ajudou a esclarecer. Contei na apresentação, para pensar a direita portuguesa, com duas brilhantes cabeças do nosso país, Jaime Gama e Maria de Fátima Bonifácio. Se no meu livro perpassa o meu pessimismo antropológico, refletido cabalmente na cronologia que uso (Frustração, 2004-2011; Desilusão, 2011-2015; Decomposição, 2015-2018), a verdade é que da apresentação ficou um tímido otimismo. No fundo, parece-me que a direita portuguesa vive, em 45 anos, a sua melhor oportunidade de aggiornamento. A sua implosão em curso, e do PSD em particular, pode ser uma espécie de destruição criativa a la Schumpeter, abrindo porta a uma nova direita depois de 2020. Não acho muito provável, mas não é implausível. E essa nesga de esperança deixa-nos algum contentamento no presente, pelo menos conjuntural.

2. A apresentação do livro decorreu em Oeiras. Com um triplo simbolismo. Primeiro, Oeiras pode ser entendida como o berço do pombalismo. E o pombalismo teve uma génese interessante – a constatação de que Portugal é um país atrasado porque em Lisboa governa uma elite fundamentalmente rentista e extrativa. Se os métodos pombalinos são discutíveis, para mais aos olhos de hoje, o diagnóstico não deixa de estar correto. E atual. 250 anos depois. E em democracia. Segundo, nas últimas eleições locais em Oeiras, apresentaram-se quatro listas na área política do PSD. Um exemplo bem ilustrativo da decomposição da direita. Terceiro, uma das listas obteve maioria absoluta de mandatos camarários. A lista encabeçada por alguém que teve problemas sérios com a justiça, questão que o eleitorado sociologicamente à direita (legitimamente, mas também surpreendentemente) não achou relevante considerar.

3. A tese do livro apresentado é conhecida para quem lê as minhas crónicas. A direita vive uma imensa crise. Essa crise não começou em 2018 com a eleição de Rio no PSD, nem pouco mais ou menos. Tem causas estruturais, que remontam ao final do cavaquismo. Por múltiplas razões, o PS assumiu-se como partido estruturante do regime com um programa que atrai o voto maioritário dos portugueses – desenvolvimento económico e social sem mudança e sem custos. Não é apenas um programa atraente para dois importantes grupos eleitorais, pensionistas e funcionários públicos (com o envelhecimento da população, estes dois grupos são hoje inevitavelmente eleitoralmente preponderantes), mas genericamente representa as preferências tradicionais dos portugueses – aversão à mudança e ao desconhecido, a atração bipolar pelo “suspenso no tempo”, esse conceito bem explicado por Miguel Real na sua obra. A direita, entretanto, foi incapaz de corporizar um programa alternativo. Tornou-se, pois, um mero suplente do PS. 25 anos de 1995 a 2020 – 18 anos de governação socialista, sete anos de direita. Os números falam por si.

4. Temos, depois, as razões conjunturais. Obviamente que a austeridade pesou. Mas também erros estratégicos, ausência de um programa coerente (basta relembrar o célebre PowerPoint da reforma do Estado), rivalidades pessoais, caciquismo. Se uso a expressão “crise da direita” desde 2013, quando muitos insistiam no mito da invencibilidade passista, agora já não há grande dúvida que a direita partidária embarcou no ciclo eleitoral mais difícil dos últimos 45 anos. O resultado das legislativas de 2015 foi um dos piores de sempre (cerca de 2,1 milhões de votos), mas parece agora quase impossível de alcançar em outubro de 2019. O PSD e o CDS são siglas desgastadas, sem capacidade para recuperar os votos perdidos ou mobilizar abstencionistas, destinadas a definhar mais ou menos lentamente. A Aliança não pode oferecer qualquer novidade quando o seu líder leva 40 anos na ribalta política. Restam, pois, duas opções para depois de 2020 – reorganização ou marginalização.

5. Reorganização significa um novo programa de regeneração política centrado no combate à corrupção e aos conflitos de interesses, com novos protagonistas e novas siglas, com um grupo parlamentar sem escândalos, sem aparelhos “cacicados” e negócios mal contados, com exigência sobre o lobbying, a advocacia de negócios e as grandes empresas, com propostas profundas para o sistema político, justiça, regulação e funções soberanas do Estado. Marginalização significa um sistema partidário totalmente centrado no PS, uma versão lusitana da famosa “mexicanização” (que Soares e Sócrates falharam, mas talvez Costa consiga, curiosamente desde uma posição de fraqueza após perder as legislativas de 2015). Neste final de 2018, a marginalização parece bastante mais provável que a reorganização (até porque lhe faltam protagonistas credíveis), mas tenhamos algum otimismo, tímido é certo. Afinal, se a Assembleia da República representa hoje quase menos 800 mil eleitores do que em 1995, os votos existem. E, nesta época do ano, acreditar um pouco no Pai Natal não faz mal a ninguém!

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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