Bruxelas divulga medidas para mitigar efeitos de um “Brexit” abrupto

Comissão adoptou propostas legislativas para prevenir danos de uma saída sem acordo no sector dos transportes ou nos serviços financeiros. Mas no pior cenário possível, a grande preocupação é garantir os direitos dos cidadãos.

Foto
Vice-presidente da Comissão, Valdis Dombrovskis (à direita) apresentou planos de contingência para um "Brexit" sem acordo LUSA/OLIVIER HOSLET

A exactamente cem dias da data do “Brexit”, e ainda sem qualquer certeza de que o Parlamento de Westminster vá aprovar o acordo negociado entre Londres e Bruxelas para uma saída ordenada do Reino Unido da União Europeia, a Comissão Europeia apresentou mais uma série de medidas de contingência, descritas como “essenciais e urgentes”, para mitigar alguns dos prejuízos que inevitavelmente se farão sentir num cenário de “no deal”.

Tratam-se de 14 propostas legislativas — “unilaterais na sua natureza e temporárias na sua duração”, conforme frisou uma fonte europeia. Depois de serem adoptadas asseguram, por exemplo, que o transporte aéreo e de mercadorias entre as ilhas britânicas e o continente não fica paralisado logo no dia 30 de Março de 2019, ou que o actual sistema de compensações nas transacções financeiras continua a operar até ser estabelecida uma alternativa à praça de Londres.

“Estas medidas são um exercício de contenção de danos, num cenário que esperamos que nunca se concretize. Não replicam os benefícios que estão previstos no acordo de saída, nem podem ser consideradas, sob nenhuma perspectiva, como propostas atractivas” em termos do processo de divórcio em curso entre o Reino Unido e a UE, sublinhou o vice-presidente da Comissão, Valdis Dombrovskis.

Para este terceiro “pacote” de medidas de contingência, explicou, a Comissão identificou “um número limitado de sectores” onde os efeitos nefastos de um “Brexit” sem acordo seriam demasiado perturbadores para as famílias e os agentes económicos europeus. Por isso desenhou “planos muito básicos” para ajudar a suportar o golpe — em domínios que vão dos serviços financeiros à política climática (o sistema de quotas do mercado de emissões terá de ser ajustado de 28 para 27).

No topo das preocupações de Bruxelas estão os direitos dos 3,5 milhões de cidadãos europeus radicados no Reino Unido, cuja autorização de residência ou direito ao trabalho (e à segurança social correspondente) poderão mudar do dia para a noite na ausência de um acordo de saída. Uma fonte europeia lembrava que “a única forma de resolver satisfatoriamente todos os problemas colocados pelo ‘Brexit’ no que concerne os direitos dos cidadãos, é a que está prevista no acordo de saída”.

Se este não vingar, a Comissão apela aos Estados-membros que “adoptem uma abordagem generosa e pragmática” e tomem medidas para assegurar que os cerca de 1,5 milhões de britânicos que vivem em território da UE mantenham inalterado o seu estatuto de residente e vejam consagrados os seus direitos adquiridos como contribuintes e beneficiários de segurança social.

A expectativa de Bruxelas é que Downing Street responda na mesma moeda, aprovando um regime semelhante que permita a permanência dos nacionais da UE no Reino Unido. Mas ao mesmo tempo que a Comissão apresentava as suas recomendações para a salvaguarda destes direitos, a Câmara dos Comuns ouvia o ministro do Interior, Sajid Javid, defender uma proposta para a limitação do número de imigrantes autorizados a viver e trabalhar em solo britânico.

Mas além de recomendações, a Comissão aprovou esta quarta-feira vários regulamentos específicos. No sector financeiro, os maiores riscos associados ao cenário de “no-deal” têm a ver com a perturbação na compensação financeira de contratos ou produtos derivados: foi concedida uma equivalência temporal condicional por 12 meses para manter esses pagamentos, e aprovados regulamentos que facilitam a renovação de alguns contratos, quando são transferidos do Reino Unido para um país da UE.

No sector dos transportes, as principais medidas afectam a aviação, e previnem a interrupção total do tráfego aéreo entre a UE e o Reino Unido um dia após o “Brexit”. Assim, Bruxelas vai autorizar que se prolonguem durante 12 meses os serviços aéreos entre os dois blocos, mas apenas num sistema de “conectividade básica”, ou seja, nas viagens entre um local britânico e um europeu (um voo com partida em Londres e chegada a Lisboa por exemplo, está contemplado, mas não uma ligação a meio do percurso, em Paris).

Esta autorização está sujeita à obtenção do mesmo regime pelas transportadoras aéreas da UE. E o mesmo princípio será também aplicado ao transporte rodoviário de mercadorias, para que os operadores britânicos possam manter inalterado o fluxo de carga para a UE durante um prazo nove meses, sob reserva de condições de concorrência leal”.

Outras medidas técnicas foram aprovadas para minorar os constrangimentos alfandegários para as exportações britânicas, nomeadamente regulamentos sobre os prazos para as declarações que devem ser apresentadas antes da partida ou entrada no território aduaneiro da UE ou sobre os produtos de dupla utilização em toda a UE.

Sugerir correcção
Ler 14 comentários