Montalegre mentalizado para o dia do jogo impossível de perder

O Benfica será recebido em Trás-os-Montes pelo único representante dos escalões não profissionais ainda ?em prova na Taça de Portugal, em ambiente declaradamente de festa.

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Terminou a espera. Montalegre cumpre, finalmente, o grande desígnio em dia de redesenhar o mapa-mundo. A diáspora barrosã converge para o castelo, cuidadosamente engalanado para a recepção ao Benfica, adversário dilecto na única competição em que os sonhos e a alma ganham corpo.

Indelevelmente marcada pela emigração, a terra fria de Barroso — paredes-meias com a Galiza — reúne em plena época natalícia os filhos oriundos das sete paragens do mundo. Dos Estados Unidos ao coração da Europa não faltaram pedidos de bilhetes para encher um estádio que triplicou a capacidade de dois mil lugares, encerrando aí a grande vitória do clube transmontano: escrever o mais bonito capítulo da história, independentemente do que acontecer nestes oitavos-de-final da Taça de Portugal. Montalegre apresenta-se ainda como o último bastião do futebol não profissional, símbolo de uma resistência que será posta à prova pelo recordista de conquistas de um troféu que a última edição vincou ser possível derrubar os maiores mitos.

Benfiquista assumido, condição partilhada por muitos dos poucos habitantes da vila raiana, José Manuel Viage garante o distanciamento emocional necessário para colocar a “águia” em sentido. O treinador do Montalegre nem sequer precisa de aprofundar o conhecimento natural que possui da equipa de Rui Vitória, pois, sempre que possível, acompanha-a na qualidade de adepto, como sucedeu em Munique, na penúltima ronda da fase de grupos da Liga dos Campeões, precisamente três dias antes de receber a prenda mais desejada no sorteio da quinta eliminatória da prova-rainha. Nessa noite fria em solo germânico, não esperou pelos últimos 20 minutos, perdendo o golo de Ribéry, que confirmou a goleada (5-1), algo que agora não quer sentir na pele.

“Só espero que não nos aconteça na Taça o mesmo que sucedeu com o Benfica frente ao Bayern”, insinua, resumindo os argumentos do clube presidido pelo irmão mais novo, Paulo Viage, a uma vontade insuperável de conseguir uma partida “de paixão, sem medos”, transferindo toda a pressão e responsabilidade para o campo do adversário.

“Se perdermos, ninguém nos vai recriminar. No dia seguinte volta tudo ao normal e guardaremos esta experiência como algo valioso. Mas também sabemos que temos 2% ou 3% de probabilidades de contrariar o destino. O Benfica já foi eliminado em casa pelo Gondomar! E é isso que temos de ter presente: encarar o jogo como uma festa, sem pressões, retirando o máximo de prazer, mesmo sabendo que para a maioria dos nossos jogadores esta será a primeira e provavelmente a última vez que disputam um encontro rodeado de tanto mediatismo”, insiste, consciente das diferenças entre o oitavo classificado da Série A do Campeonato de Portugal e o, actualmente, quarto da I Liga, posição que denuncia algumas fragilidades, ainda que irrelevantes perante a diferença de potencial dos dois contendores.

Dignificar o nome do clube e da região é ponto de honra, se possível com a qualidade que o terceiro escalão nacional vem reclamando, até por considerar que este “é o jogo mais fácil” que o Montalegre disputará na presente campanha.

Na verdade, para Montalegre — vila e clube — este é um jogo impossível de perder. “Antes de entrarmos em campo, já ganhámos. Provámos ser capazes”, assume o treinador, porta-voz de todos quantos se empenharam nesta empreitada, orgulhoso pelo esforço e pela capacidade de mobilização demonstrados e indispensáveis para vencer todos os obstáculos que desaconselhavam a organização no Estádio Dr. Diogo Vaz Pereira, a desafiar a lógica da casa emprestada que vai imperando em situações semelhantes.

“Montalegre era conhecida, essencialmente, pela feira do fumeiro e pelas sextas-feiras 13. Organizar um jogo destes no nosso estádio, na nossa terra, é algo que nunca será apagado nem esquecido”, remata um José Manuel Viage que preparou toda a estratégia sem saber se poderia sentar-se no banco para liderar a equipa, situação que se arrasta praticamente desde o arranque da época, na sequência de uma suspensão de 45 dias logo após a primeira jornada, na deslocação a Fafe. Um castigo cuja data de início demorou cerca de dois meses a ser fixada, motivando um mal-entendido relativamente ao período de suspensão, que levou mesmo o técnico e os responsáveis do clube a pensarem que tinham a folha disciplinar limpa... com o pormenor de estarem, involuntariamente, a antecipar o prazo determinado pelo Conselho de Disciplina (CD) e que só ontem foi verdadeiramente atingido, mais de quatro meses depois do encontro com o Fafe.

Para agravar a situação, o CD instaurou novo processo por suposta “violação” da área técnica na quarta eliminatória da Taça de Portugal, frente ao Águeda (de que o Montalegre recorreu, alegando que o técnico se limitou a entrar na rouparia para pedir um casaco), o que poderia ditar novo afastamento de José Manuel Viage do banco, com a agravante de coincidir com o jogo frente ao Benfica, deixando a equipa sem timoneiro. Isto porque, para além do “adjunto” Ricardo Chaves (expulso no sábado em Felgueiras), apenas o médio João Fernandes possui curso de treinador (nível I), embora seja habilitação insuficiente para assumir o “cargo” numa emergência.

Em terra célebre pelas sextas-feiras 13, pelo culto do oculto, pelas jornadas de medicina popular promovidas pelo padre Fontes — na vizinha e famosa Vilar de Perdizes —, depois de o início do treino de segunda-feira ter sofrido um atraso considerável, motivado pela avaria da carrinha que transportava jogadores e material desportivo para Vila Pouca de Aguiar, é caso para dizer que, mesmo não acreditando em bruxas, é bem possível que elas andem à solta.

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