Central do 112 terminou buscas a eventual acidente sem avisar Força Aérea

Relatório preliminar aponta falhas à central que recebe chamadas de emergência e à empresa que gere o espaço aéreo, a NAV.

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Queda da aeronave provocou quatro mortos. Rui Gaudêncio

A Central Operacional Norte do 112, operada por elementos da PSP e da GNR, recebeu uma chamada de um cidadão às 18h57 de sábado a informar as autoridades que “ouviu um helicóptero ou aeronave na zona de Santa Justa e serra da Pia” e que entretanto “ouviu um estrondo, uma explosão”. O operador, um polícia, escreveu na aplicação informática: “Carece de confirmação, um eventual acidente aéreo.” Mas não informou a Força Aérea, a entidade responsável pela busca e salvamento em casos de acidentes aéreos.

Às 18h57, dois minutos depois de o helicóptero desaparecer dos radares do controlo aéreo, a PSP é informada automaticamente, via aplicação do 112, da informação transmitida pelo particular. Só mais de um quarto de hora depois, devido a dúvidas sobre de quem era a área de actuação, a GNR é informada. Esta força demora apenas dois minutos a despachar os primeiros meios para o local, mas tal só acontece 19 minutos depois da chamada para o 112. A PSP acaba por enviar igualmente um carro-patrulha para o local às 19h21, mas 11 minutos mais tarde este reporta que “nada de anormal foi detectado”. Apesar disso, a PSP envia mais meios às 19h37.

A fita do tempo disponibilizada nesta terça-feira pela Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC), num anexo ao relatório preliminar divulgado ao mesmo tempo, nada mais diz sobre o resultado das diligências policiais. Mas uma referência registada às 20h12 permite concluir que a ocorrência já tinha sido dada como encerrada pela central 112 sem que tivesse sido contactada a Força Aérea ou a ANPC. Isto porque nessa referência se lê: “Reaberta a ocorrência de Acidente Aéreo Queda pelo supervisor da sala 112.”

Tal acontece sete minutos depois de o Centro de Orientação de Doentes Urgentes do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) ter informado o 112 que o seu helicóptero estava desaparecido desde as 18h.

Mas essa reabertura da ocorrência não parece ter tido qualquer efeito prático. Tal só acontece às 20h24, quase uma hora e meia depois do primeiro telefonema. E só porque após a Força Aérea ter contactado o Comando Nacional de Operação de Socorro da ANPC — às 19h57 — a dar conta do desaparecimento da aeronave, este fala para o comando distrital do Porto e este último pergunta à central do 112 se tinha algum alerta para a queda de um helicóptero.

O 112 responde que sim e remete via aplicação informática todos os dados que já tinha sobre a ocorrência. Quatro minutos mais tarde, são accionados os primeiros bombeiros, os de Valongo. Às 21h, o comando das operações informa que há um veículo a subir a serra de Pias e outro a subir a serra de Santa Justa, pela aldeia de Couce, com o cidadão que deu o alerta. “Até ao momento não detectaram nada”, reporta ao Comando Distrital de Operações de Socorro (CDOS) do Porto. Tal só vem a acontecer umas horas mais tarde, às 0h32 de domingo, quando são encontrados os primeiros destroços do aparelho, que seguia com quatro pessoas a bordo: dois pilotos, um médico e uma enfermeira. À 1h29, as autoridades registam que chegaram ao helicóptero e que encontraram sem vida os corpos das quatro vítimas.

Esta falha da central 112 não é a única. A empresa responsável pela gestão do espaço aéreo (NAV) confirmou que perdeu o sinal de radar e os contactos com o helicóptero de emergência médica às 18h55, mas só 45 minutos mais tarde, às 19h40, reporta o caso à Força Aérea. Isto depois de ter contactado várias entidades, como o heliporto de Baltar para onde o helicóptero se dirigia para ir abastecer, o de Massarelos de onde partira, e o aeródromo de Macedo de Cavaleiros, o destino final, além do próprio INEM.

O contacto com a Força Aérea, para a identificação de um possível acidente com uma aeronave, “tanto por parte da NAV Portugal como do Centro Operacional do Norte (do 112), não foi efectuado com a necessária tempestividade”, assume o relatório da ANPC. Esse facto pode ter “comprometido o tempo de resposta dos meios de busca e salvamento”. Apesar da relevância das falhas no socorro, tudo indica, face aos destroços da aeronave e ao estado dos corpos, que as vítimas tiveram morte imediata.

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O relatório conclui que, após o contacto de cidadãos, o Comando de Operações do Norte do 112 não alertou o Comando Distrital de Operações do Porto e deu “preferência ao despacho de meios das forças de segurança”. Também “não encetou diligências junto da ANPC para restringir a área de busca”. Além disso, refere que a  NAV “desenvolveu, entre as 19h20 e as 19h40, as suas próprias diligências, em detrimento do cumprimento do estipulado” na directiva sobre a resposta a acidentes com aeronaves. Ao PÚBLICO, a empresa não quis comentar.

A própria Força Aérea, quando alertada pela NAV, contacta a ANPC e a GNR, mas não a central 112, que é considerada pela directiva uma das fontes primordiais de alerta de acidentes aéreos.

O ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, determinou o envio do relatório aos colegas de Governo que tutelam as entidades referidas — Defesa, Saúde e Infra-Estruturas. O documento foi também remetido à Procuradoria-Geral da República, que deverá enviá-lo ao Departamento de Investigação e Acção Penal, onde corre um inquérito. Cabrita pediu ainda à ANPC que “aprofunde as circunstâncias que rodearam a comunicação da ocorrência e a mobilização de meios de socorro visando a plena caracterização dos factos e a apresentação de propostas de correcção de procedimentos e normativos aplicáveis”.

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