As consequências do “Brexit” para o cinema e a TV britânicos — e para os estrangeiros que nela trabalham

No país de James Bond e Downton Abbey, a saída do Reino Unido da União Europeia tem tido "mais cliffhangers do que uma temporada inteira de A Guerra dos Tronos”, diz o Observatório Europeu para o Audiovisual.

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james bond DR

As principais consequências do “Brexit” para a indústria do audiovisual, ou seja, para o cinema e televisão britânicos e europeu, ainda estão por se revelar. Da perda do acesso ao mercado comum ao “fardo administrativo sobre a actividade criativa”, passando pelo receio de que o Reino Unido perca competitividade enquanto exibidor ou local de filmagens, o cinema independente e os grandes players dos estúdios e canais estão preocupados com o que vai acontecer ao maior mercado audiovisual da União Europeia.

As conclusões constam de um novo estudo do Observatório Europeu para o Audiovisual, revelado esta terça-feira, e que passa em revista o último ano de conversações internas e europeias do sector sobre o “Brexit”: O impacto no sector audiovisual. O “Brexit” “é um momento único na história tanto do Reino Unido quanto da União Europeia e o seu desenrolar (do resultado do referendo ao momento actual) deu-nos mais cliffhangers do que uma temporada inteira de A Guerra dos Tronos”, comenta no seu prefácio Maja Cappello, responsável do Departamento Judicial do observatório.

A saída do Reino Unido da União Europeia “terá um impacto significativo no enquadramento regulatório aplicável ao sector audiovisual britânico, visto que a maior parte dos seus aspectos é actualmente governada pela lei comunitária”, avisa o relatório. “A primeira grande consequência seria a perda de acesso ao mercado interno e as liberdades de circulação que ele garante.”

O documento compila dados importantes sobre a relevância do Reino Unido para o mercado mundial, e em particular europeu e da Europa comunitária, do sector audiovisual britânico. É o país onde a maior parte dos canais de televisão estão estabelecidos — 29% dos canais da UE a 28  residem lá —; onde três dos principais grupos europeus têm sede (Sky, BBC, ITV) e onde várias representações de canais estrangeiros se situam. Cerca de 60% de todos os canais europeus que transmitem para outros países (1203 canais até ao final de 2017) têm base no Reino Unido.

“O Reino Unido é o maior mercado audiovisual da União Europeia a 28: com 12% dos lares com televisão, o Reino Unido representa 21% das receitas do mercado na Europa a dos 28. A sua dimensão é semelhante à da Alemanha e 45% maior do que o mercado francês. Está especialmente desenvolvido nos serviços de video on demand (VOD), com 31% do total do mercado da Europa dos 28 em termos de valor e 29% dos subscritores”, lê-se no relatório.

O país dos Monty Python, Downton Abbey, Broadchurch ou Bodyguard é o quarto maior produtor de ficção televisiva da UE, com “foco em dramas de alta qualidade com grande potencial de exportação”.

É também o segundo maior produtor e exportador de cinema da UE, logo a seguir a França. No que toca ao cinema, o Reino Unido é novamente incontornável. Produz anualmente 16% dos filmes europeus e é o segundo mercado europeu em que mais pessoas vão ao cinema — França é novamente o campeão, desta feita das idas ao cinema. É o segundo maior exportador da UE, mas o mercado britânico é relativamente fechado quanto ao consumo de filmes europeus, com uma fatia mais pequena (1,8%) do que a média europeia neste campo.

O documento, que não quer apresentar conclusões num cenário ainda em mudança, deseja evidenciar a importância deste mercado internamente, para os seus consumidores em toda a Europa e para os trabalhadores estrangeiros que nela operam.

Cerca de 206 mil pessoas trabalhavam na área em 2017, o que consiste em 0,6% do emprego em todo o Reino Unido. E 15 mil desses trabalhadores de cinema e televisão são europeus sem nacionalidade britânica (7,2%). Quanto a eles, lê-se mais à frente no relatório, que há preocupações já apresentadas à Câmara dos Comuns britânica em Janeiro de 2018 sobre “se forem impostas restrições como quotas de imigração, custos de vistos punitivos ou condições de qualificação salarial excessiva, isso seja um grande fardo administrativo sobre a actividade criativa”.

“Isso também teria um impacto sério na competitividade da indústria cinematográfica britânica em certos sectores específicos como os dos efeitos visuais”, diz o documento, fazendo eco das preocupações dos players do mercado. Os efeitos visuais são um dos subsectores da indústria onde a representação de europeus não-britânicos é maior — atinge os 25%.

“Na perspectiva económica, uma força laboral tão móvel, freelance e altamente qualificada constitui uma mais-valia para um país que queira ser considerado um local de produção atractivo”, recomenda o documento. Segundo o British Film Institute, 78% dos gastos em produção no Reino Unido (1,1 mil milhões de libras, cerca de 1,2 mil milhões de euros) estão directamente relacionadas com grandes estúdios norte-americanos. Tendo isso em conta, lê-se, a importância de “um acordo com a União Europeia que permita ao Reino Unido manter acesso a esta força laboral qualificada" considerando-o " fundamental para manter a capacidade do país de atrair investimento estrangeiro".

Neste cenário, além das questões quanto à mobilidade dos trabalhadores e condições para estabelecimento de empresas, as principais preocupações dos operadores, produtores, exibidores e outros profissionais são que, perante o “Brexit”, o fardo administrativo seja tal que, “em particular as empresas mais pequenas, não sejam capazes de absorver os novos custos operacionais e se tornem insustentáveis”, por exemplo. A Motion Picture Association teme que “um impacto sério” na “capacidade do Reino Unido de atrair produções internacionais dos estúdios norte-americanos”.

Outros, como o Independent Cinema Office, temem que “a capacidade do Reino Unido para atrair produções internacionais e o potencial impacto na organização de festivais de cinema e outros eventos que tragam profissionais além-fronteiras” possa ficar afectada.

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