4.ª Internacional: 80 anos de luta pelo socialismo

A 4.ª Internacional mantém-se uma organização minoritária, de escassa influência na trajectória de destruição global que vivemos. Mas é seguramente um espaço do lado certo da história.

Em 1938, há 80 anos, um punhado de militantes comunistas juntou-se num celeiro dos arredores de Paris, em Périgny, para fundar a Quarta Internacional. Ao contrário das anteriores internacionais, esta organização que afirmava ter como objectivo a criação do “partido mundial da revolução socialista”, dava os seus primeiros passos num tempo de perseguições e declínio da capacidade do proletariado para tomar a iniciativa e responder ao fascismo ascendente na Europa. Dois meses antes, Rudolf Klement, responsável pelo secretariado do congresso tinha sido assassinado, Léon Sedov, filho de Trotski e elemento central na sua preparação, também.

Nesse congresso, com delegados de 10 países europeus e do Brasil, é aprovado o Programa de Transição com 21 votos a favor e um voto contra.

O texto originalmente redigido por Trotski – “As agonias do capitalismo e as tarefas da 4.ª Internacional” – tornou-se uma referência teórica fundamental para todo o movimento trotskista posterior ao romper com a perspetiva de programa mínimo reformista e de programa máximo abstratamente socialista. O Programa de Transição sugere partir do nível de consciência das massas proletárias para o enfrentamento com a lógica capitalista através de um conjunto de reivindicações muito concretas. Era o caso da abolição do segredo comercial (ou bancário), da escala móvel de salários e de horas de trabalho, ou da reivindicação de aumentos brutos iguais para todos. Trata-se de uma proposta de metodologia para intervir na consciência gradual das condições da luta de classes e poder fazer pesar na balança a emancipação de uma classe que só poderia ser obra do proletariado e das pessoas exploradas do mundo inteiro.

Em 1938, a república espanhola estava perdida às mãos do fascismo, Hitler lançava já a sua sombra sangrenta na Europa, a teoria do “socialismo num só país” condenava o movimento comunista ao desalento e à derrota eminente, Estaline tinha já dizimado toda a oposição de esquerda e perseguia os seus militantes, as potências europeias claudicavam numa estratégia suicida onde a revolução russa e a sua capacidade de contágio eram ainda o seu principal pesadelo.

Trotski é assassinado dois anos depois no México, e os militantes da 4.ª Internacional – perseguidos à esquerda pelo estalinismo e à direita pelos fascismos europeus ascendentes – procuram intervir junto do proletariado alemão mobilizado nas tropas de ocupação. A propaganda desses tempos regista as tentativas (algumas bem-sucedidas) de apelar à deserção dos soldados alemães, libertando campos de prisioneiros franceses ou polacos, irmãos de classe e na exploração. A este grupo de agitadores, com vitórias significativas, apesar de insuficientes para conter a vaga nacionalista, pertenceu Ernest Mandel, mais tarde dirigente e figura teórica incontornável da 4.ª Internacional, proscrito em grande parte das democracias do pós-guerra.

Nos anos 90 do século passado, era Cavaco Silva primeiro-ministro, para um jovem que entrava no ensino superior público a consciência política estruturou-se com a contestação à lei do aumento de propinas. Era claro para nós, nessa altura, que o Estado se transformava na medida em que o projecto neoliberal desarticulava os sistemas públicos e queria transformar o ensino, de direito universal, em forma infalível de negócio. Foi quando entrei no Partido Socialista Revolucionário, sucessor da Liga Comunista Internacionalista e secção portuguesa da 4.ª Internacional, do qual já tinha referência pelo assassinato de um dos seus dirigentes, o sindicalista José Carvalho, às mãos de neonazis em 1989, e pela brilhante campanha eleitoral de 1991 – a primeira da antisistémica “ovelha negra”. No seu percurso português, a jovem organização fundada na clandestinidade em 1973 viveu intensamente a revolução dos cravos em todos os seus momentos. Ocupações, comissões de trabalhadores e de moradores, “Soldados Unidos Vencerão”, “Nem mais um só soldado para as colónias!”, o poder popular que durante um período breve pareceu ser a promessa de uma outra sociedade, a hipótese socialista a espreitar no território mais ocidental da Europa continental. Foi onde me cruzei com algumas das pessoas iniciais deste percurso: João Cabral Fernandes, Alfredo Frade, Francisco Louçã, Helena Lopes da Silva, Ana Campos, Manuel Graça e tantas outras pessoas. Foi onde encontrei espaço para entender que a revolução proletária não se faz sem uma alternativa à sociedade patriarcal, que opressões como as de género, de orientação sexual ou o racismo não são questões menores da emancipação que imaginamos, mas antes instrumentos da fratura de classe. Que o internacionalismo ganhou um novo alento com a revolta zapatista em Chiapas, ou dez anos mais tarde com os grandes movimentos alterglobalização, que o militarismo é a religião escondida do imperialismo que depois da queda do muro de Berlim acumula lucros obscenos nas guerras que promove. Que o dogma é inimigo de um pensamento e prática revolucionários, capazes de aprender a cada nova experiência revolucionária, e sobretudo com as suas derrotas.

80 anos depois, a 4.ª Internacional mantém-se uma organização minoritária, de escassa influência na trajectória de destruição global que vivemos. Mas é seguramente um espaço do lado certo da história e onde a globalização encontra o desejo internacionalista fiel à primeira geração de comunistas e que nos permite ainda hoje ter a ousadia da esperança na alternativa socialista.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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