O perigoso mundo dos fracos

As surpreendentes fraquezas chinesas completam a paisagem de um mundo onde essas fraquezas tendem a alastrar, da Europa aos EUA, da América Latina à Ásia.

O PÚBLICO de ontem noticiava que a Comissão Nacional de Protecção de Dados tinha “chumbado” um acordo de segurança luso-chinês, uma vez que a China “não garante uma protecção de dados pessoais de acordo com o que é exigido a um país da União Europeia” e “não oferece um nível adequado de protecção de dados”. Ora, sendo o regime chinês uma ditadura de cariz totalitário, onde o respeito pela privacidade e as liberdades individuais pura e simplesmente não existe, qualquer acordo de segurança nos moldes que o Governo português se preparava para assinar só poderia explicar-se por uma atitude de subserviência desenhada à medida da crescente colonização económica chinesa e consagrada, aliás, durante a recente visita do Presidente Xi Jinping (como foi patente no aparato de segurança que a rodeou e no pequeno mas simbólico episódio dos incómodos provocados por um punhado de pacíficos manifestantes pró-Tibete). A esse respeito, não deixaram de ser reveladores a maioria dos textos de opinião publicados então nos jornais portugueses, escamoteando completamente a natureza totalitária do regime de Pequim. Um dos articulistas, professor do IST, chegou ao ponto de criticar Portugal pelos seus complexos de “bom aluno” europeu e, por isso, não se mostrar descomplexado face ao seu potencial e sorridente papel de “interface” chinês na Europa. Essa predisposição para a servidão, cujos riscos abordei numa crónica anterior, ficou assim amplamente ilustrada.

Entretanto, a detenção no Canadá de Meng Wanzhou, directora financeira da maior empresa tecnológica chinesa, Huawei, a que se seguiu a retaliação por parte da China com a prisão de dois canadianos acusados de espionagem, constitui o último episódio da guerra comercial entre o Ocidente e o gigante asiático. A sra. Meng fora detida sob mandato internacional da Justiça americana e a pretexto do incumprimento pela Huawei das sanções económicas ao Irão. Mas o alcance dessa detenção parecia ser mais vasto, embora porventura menos confessável: a forma imperial como a Huawei se vem impondo às suas congéneres internacionais, subvertendo as regras da concorrência e recorrendo aos meios mais sinuosos da espionagem tecnológica.

No entanto, sob a voracidade insaciável do capitalismo de Estado chinês não se esconderá também um gigante com pés de barro? Um artigo do New York Times (NYT) de 14 de Dezembro aponta no sentido de uma inesperada fragilidade económica, afectando nomeadamente o sector automóvel e o imobiliário. É uma situação derivada da guerra comercial em curso, que tem levado nos últimos tempos muitas multinacionais a reconsiderarem o investimento na China, prejudicando a importação de know-how estrangeiro e com reflexos significativos na bolsa e mercado de capitais. Ora, segundo o NYT, esta conjuntura sombria terá já afectado a popularidade do Presidente Xi – muito cioso, como se sabe, da sua infalibilidade imperial –, pelo menos entre a elite económica de Pequim e Xangai.

As surpreendentes fraquezas chinesas – pelo menos aos olhos deslumbrados ou temerosos dos que vêem no gigante oriental um Golias imbatível – completam assim a paisagem de um mundo onde essas fraquezas tendem a alastrar: é a Europa, fragilizada pelo “Brexit”, pelos populismos, pela crise francesa, pelo crepúsculo de Merkel ou ainda pelo impasse das regras orçamentais e o bloqueio do BCE; é a Rússia cuja agressividade cresce à medida que a economia se afunda; são os Estados Unidos reféns do isolacionismo suicidário de Trump; e é o resto do planeta onde os sinais de esperança se tornam mais raros e fugazes, da América Latina à Ásia. Um mundo de fraquezas em conflito e, por isso, mais perigoso – onde nós também habitamos, apesar das nossas ilusões insulares ou da nossa rendição aos milagres vindos de longe (incluindo a China).

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