A culpa é do Pai Natal?

Comprar “o” presente não é errado, quando existe possibilidade financeira para isso, quando o considera adequado à idade dos seus filhos e adequado aos seus valores... Mas também depois de avaliar o quanto esse presente é realmente necessário naquele momento!

Numa época em que, para onde quer que olhemos, nos é sugerido o consumo desenfreado, vale a pena refletir sobre o que significa exatamente isso!

O consumismo vem de uma necessidade de realizar vontades e desejos. Daí muitas vezes associarmos o ato de consumo à felicidade. Em boa verdade, quais são os pais que não querem ver os seus filhos felizes ao receberem o(s) tão desejado(s) presente(s)? Os tais que, segundo os próprios, todos os meninos da escola têm ou irão receber?! 

E a culpa é do Pai Natal? Ou será mesmo da nossa necessidade de autoafirmação enquanto pais ou até uma forma de atenuar a nossa própria culpa por “falta de tempo”? Podemos afirmar que a culpa é da sociedade, dos media que nos invadem, a nós e aos nossos filhos, com apelos incessantes para o consumo! Diria que sim, mas não só! Nós somos os pais! Se não nos controlamos (enquanto consumidores), como queremos que os nossos filhos se controlem ou deixem de pedir “este mundo e o outro”?

Comprar “o” presente não é errado, quando existe possibilidade financeira para isso, quando o considera adequado à idade dos seus filhos e adequado aos seus valores... Mas também depois de avaliar o quanto esse presente é realmente necessário naquele momento!

Tudo fica mais complicado quando a necessidade de ter se torna quase inesgotável. Quando entramos neste patamar, diria que caminhamos para algo que gosto de chamar “patologia do consumo” e que nos indica que algo pode não estar bem. A necessidade de consumo permanente advém de uma necessidade de atenuar a ansiedade, o mal-estar ou até mesmo como forma de adquirir determinado papel social. O facto de obter rapidamente o seu objeto de desejo tende a proporcionar alívio imediato e momentâneo de momentos de angústia, passando a ser um momento de gratificação emocional. Pode também ser aquilo que a criança considera como critério para o sentido de pertença a um grupo. E não estarão os valores como o respeito, a humildade, a amizade, entre outros, a ser trocados por valores económicos?

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EPA PHOTO/LEHTIKUVA/MARTTI KAINULAINEN

Os principais agentes de aprendizagem social do consumo sobre as crianças são: os pais, os media, a escola e os pares. A família tem o papel principal, tendo em conta a relação de proximidade e imitação dos seus atos. Os media são os “habilitadores de sonhos”. A escola tem menos influência que os outros agentes, mas é na escola que estão os pares, estes sim com forte impacto no processo de socialização do consumo. O processo de consumo próprio parece dar uma sensação de poder e autonomia a estas crianças, diria que também aos pais.

A noção de consumo, segundo a economia, é o ato de consumir bens ou serviços para a satisfação de necessidades do indivíduo. Na minha opinião, para além da satisfação de necessidades, hoje o consumo contribui e muito para a imagem e para construção de uma identidade desejável (com atributos imaginários). Se assim for, diria que numa fase do desenvolvimento em que acontece a construção de uma identidade é fundamental dizer “não” quando não faz falta, quando não faz sentido, quando não podemos. Lidar com a frustração do “não” é um dos maiores handicaps dos nossos filhos e o nosso maior desafio enquanto pais.

Se nós somos o espelho do consumo dos nossos filhos, eles também têm um poder gigantesco sobre o nosso consumo. Não se deixe seduzir pela falsa crença de que através da satisfação das vontades e desejos calamos o seu possível mal-estar.

Sonhar e desejar pode e deve levar-nos à ação... Por isso mesmo, devemos ensinar que podemos sonhar e desejar, ser ou ter “isto e aquilo”?! Mas também é preciso ensinar a conquistar, a priorizar e a perceber se “aquilo” faz mesmo falta! Para estes ensinamentos, é preciso tempo! Ofereça ao seu filho o que entender, mas também o que tem de muito precioso... O seu tempo! 

Feliz e santo Natal!

A autora segue o novo acordo ortográfico

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