Não vale recorrer a demagogia

O PSD e o CDS, como partidos democráticos que são, têm tanto direito a estar ligados a sindicatos como o PCP ou o PS

São os trabalhadores do Estado quem faz greves com impacto na sociedade, precisamente porque incidem sobre os serviços públicos e os paralisam. As consequências da realização de greves pelos enfermeiros, sobretudo quando se estendem por períodos longos, são sem dúvida negativas para a população que usufrui do Serviço Nacional de Saúde. Por maioria de razão são penalizadoras as greves de enfermeiros que incidem sobre cirurgias, prejudicando os doentes operatórios. Partir desta constatação para querer responsabilizar o PSD pela greve dos enfermeiros e para acusar o PSD e o CDS de radicalização, como fez o primeiro-ministro, António Costa, no debate parlamentar de quarta-feira, não é um passo maior do que a perna, é dar um salto sem pernas, ou seja, uma impossibilidade. E pura demagogia parlamentar táctica.

O facto de o PSD e o CDS defenderem as causas dos grevistas não significa radicalização alguma, radicalização seria se estes partidos procurassem monitorizar lutas inorgânicas de sectores descontentes da sociedade. Os sindicatos são organizações legítimas de representação de trabalhadores. As greves são um direito constitucional em Portugal e, em todo o mundo democrático, são uma arma negocial, um instrumento de diálogo entre empregados e empregadores. Não são radicalismo, a não ser que a elas estejam associados fenómenos de tipo ludista. É bom frisar que as greves em Portugal são sindicalmente enquadradas e não contém fenómenos de destruição de instalações nem de instrumentos de trabalho.

Mais, em Portugal, na última década, apenas houve dois momentos com lutas sociais radicalizadas e bastante inorgânicas, a manifestação dos precários, a 12 de Março de 2011, que deu origem ao movimento Geração à Rasca, e a megamanifestação provocada pelo anúncio do aumento da TSU para os trabalhadores, que originou ao movimento Que Se Lixe a Troika e que levou mais de um milhão de pessoas às ruas em 15 de Setembro de 2012. E mesmo estas manifestações tiveram apoio de sindicatos e partidos, embora o viessem a ultrapassar em muito.

Por outro lado, o PSD e o CDS, como partidos democráticos que são, têm tanto direito a estar ligados a sindicatos como o PCP ou o PS. Se na Ordem dos Enfermeiros há dirigentes que têm ligação ao PSD, estão no seu pleno direito democrático de o fazer. Assim como o têm os dirigentes da Federação Nacional de Educação, organização sindical que lançou a luta da recuperação integral do tempo de serviço dos professores ainda 2017.

É bom lembrar que o PSD esteve com o PS na formação da UGT e está presente nesta central sindical através da organização partidária Trabalhadores Sociais-Democratas. A CGTP não é central única, e a unicidade sindical, desejada pelo PCP, foi em 1975 derrotada com o apoio do PSD e graças ao PS e ao histórico dirigente socialista e figura incontornável quando se fala de construção da democracia, Francisco Salgado Zenha.

O que se passa com o actual surto de greves nada tem que ver com radicalização de direita ou até com a radicalização da esquerda ou em especial do PCP, partido que domina a direcção da CGTP. Tem que ver, sim, com o clima social que a governação de António Costa criou. Ao prometer e ao fazer as reversões dos cortes salariais e dos direitos laborais e sociais impostos pela troika de forma mais ampla e mais depressa do que o Governo do PSD e do CDS, liderado por Pedro Passos Coelho, prometia, António Costa aumentou em muito a expectativa das trabalhadores do sector público. É essa expectativa que leva ao surto grevista. Daí que o que esteja em causa seja apenas o facto de os sindicatos supostamente estarem a pedir o céu que o Orçamento e a situação financeira do país não permitem.

Quanto a António Costa, que tem sido hábil a negociar Orçamentos do Estado — e não só — com os parceiros de aliança parlamentar que suportaram o seu Governo (BE, PCP e PEV), não demonstra a mesma habilidade negocial em relação às lutas sindicais do sector público. Logo, se há responsabilidade política, ela é também sua. Razão pela qual não deve recorrer a demagogia.

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