Quarenta anos do Centro Comercial Cedofeita, um espaço para “gente com ideias, mas sem capital”

Foi o segundo shopping de grande dimensão a abrir na cidade, dois anos após o Brasília ter inaugurado. Longe do fulgor de outros tempos, tenta afirmar-se como alternativa para negócios de nicho e como incubadora de novos projectos artísticos.

Fotogaleria
Paulo Pimenta
Fotogaleria
Paulo Pimenta
Fotogaleria
Paulo Pimenta
Fotogaleria
Paulo Pimenta
Fotogaleria
Paulo Pimenta
Fotogaleria
Paulo Pimenta
Fotogaleria
Paulo Pimenta
Fotogaleria
Paulo Pimenta
Fotogaleria
Paulo Pimenta

Uma passadeira vermelha para receber um “mar de gente”, é a imagem que Luís Lourenço, 75 anos, proprietário de uma barbearia, guarda na memória da tarde de inauguração do Centro Comercial Cedofeita (CCC), há precisamente 40 anos. É um dos sobreviventes do grupo dos primeiros lojistas do segundo shopping de grande dimensão da cidade. Dois anos antes, tinha inaugurado o mais antigo, o Brasília, na Boavista, o primeiro com escadas rolantes, tecnologia que neste nunca existiu.

Do grupo de resistentes, além do barbeiro, está lá a Dona Natividade, ainda atrás do balcão da loja de roupa para crianças que inaugurou no mesmo dia, e o Senhor Proença, na tabacaria Só Arte, que vende um pouco de tudo. Os três, convivem com vizinhança nova, que foi renovando o CCC com propostas alternativas às que oferecem os centros comerciais mais modernos - que fazem os mais antigos parecerem minúsculos -, abertos desde meados da década de 1990 na periferia, para onde canalizaram as multidões que os shoppings mais velhinhos recebiam até então.

Longe do buliço de outros tempos, o CCC resiste, com as lojas todas ocupadas, já há quase duas décadas mais orientado para negócios de nicho, com relevo para o vintage e para o mercado dos usados. Mais recentemente é também morada de mais de duas dezenas de artistas, que transformaram algumas das fracções em ateliers e espaços expositivos. Com a prata da casa, hoje e amanhã, o CCC celebra quatro décadas de existência com exposições, música ao vivo, um mercado de arte, teatro, oficinas, um bazar de Natal e uma feira de coleccionismo.

André Rocha, fundador do Hive Art Studio, como acontece durante a semana, estará presente nos dias de festejo. De há seis meses para cá ocupa uma das lojas centrais em formato de hexágono, do piso térreo, com este projecto criado para divulgar artistas emergentes.

É lá que o encontramos a desenhar. Conta-nos que escolheu aquele espaço após uma exposição que teve patente na Tri Ângulo, associação cultural que em 2015 se fixou no centro. Começou por ser um estúdio e mais tarde passou também a espaço expositivo. “Este sempre foi um centro mais alternativo. Agrada-me a ideia de o partilhar com os outros projectos que cá estão”, explica.

As rendas das fracções variam entre os 50 e os 150 euros, dependendo da dimensão. “Isso também pesou na decisão”, afirma.

Paralelamente, organiza o Abelha, um mercado de arte que se realiza no CCC. Na festa de aniversário também se realizará numa versão mais pequena para não chocar com as outras actividades. Contará com 15 bancas – cerca de metade do que é habitual.

Os dois dias de festa serão preenchidos por cerca de 15 actividades. O programa pode ser consultado nas redes sociais do centro.

Quatro décadas de histórias

Às 17h30 de sexta-feira será lançada uma fanzine com histórias dos 40 anos do CCC, produzida pela administração, com design da Pudim Studio, com sede no centro. Nesta publicação, recorda-se o lago dos desejos, para onde os visitantes do centro atiravam moedas na esperança de que as suas vontades secretas se concretizassem; o salão Arcade e a croissanteria para onde, nos anos 1980 e 1990, muitos dos alunos das escolas da área se dirigiam quando havia um furo; ou a danceteria Cantinho da Teresinha que convivia com a extinta discoteca Cairo, onde muitas bandas de metal se apresentaram ao vivo.

Recordam-se ainda algumas figuras carismáticas do CCC. Um antigo funcionário, responsável por guardar as chaves de vários sectores do edifício, o senhor Joaquim, conhecido por Joaquim Russo, apesar de, na verdade, ser ruivo; a dona Natividade e o senhor Luís da barbearia, que estão desde o primeiro dia no centro, e o Rui Barbeiro, que trabalhava na mesma barbearia.

Fomos à procura de algumas destas figuras. Encontramos a Dona Natividade, no Trapalhão, loja que abriu no piso inferior e que agora está no de cima. Sentada atrás do balcão diz-nos que a 14 de Dezembro de 1978, quando o centro abriu, “só se viam cabeças”, desde a entrada até ao interior da sua loja. Longe desse fulgor, numa loja vazia de clientes, diz-nos que tem saudades desses tempos.

“O Rui Barbeiro, faleceu há dois anos”, conta-nos Luís Lourenço, que ainda aguenta a barbearia. “Era um grande amigo”, diz, com alguma saudade. Era ali que trabalhava da parte da tarde, mal saía da dependência bancária onde também estava empregado. Recorda que nunca o viu maldisposto: “Toda a gente o conhecia e gostava dele”. Muitos dos clientes que passavam pelo seu estabelecimento era ele que fidelizava por ser “um indivíduo com carisma”. “Quando o António Variações ficou conhecido muita gente quis imitá-lo. Ele era uma espécie de Variações mas genuíno. Era um excêntrico”, lembra.

Hoje, Luís Lourenço conta com uma carteira de clientes antigos que vai adiando a sua reforma.

Não consta na publicação, mas é um dos que também lá está desde o início. O senhor Proença, 83 anos, da Só Arte, é um homem de poucas palavras. Na montra tem o poster do Elvis, mortalhas king size, outros artefactos que servem aos adeptos do uso de cannabis, postais antigos e outros artigos de colecção. Está dentro da tabacaria em frente a um ecrã de dez polegadas, onde passa um filme. É proprietário da fracção. Todas as fracções têm donos diferentes, como acontece noutros centros comerciais mais antigos, o que na maior parte das vezes, por existirem vários proprietários, torna mais difícil a criação de uma linha orientadora consensual no sentido de os revitalizar.

Tem outros negócios noutros locais e mantém aquele por uma questão afectiva. O futuro do centro acredita já não passar pelos negócios mais tradicionais.

O futuro continuará a passar pelas artes

É essa a lógica que a actual administração do CCC tem seguido nos últimos 10 anos, altura em que Teresa Pinto e Eduardo Pereira assumiram funções. Quando o fizeram o centro não vivia o melhor momento financeiro. Actualmente as 112 fracções estão arrendadas, embora, nem todas estejam abertas ao público e algumas sejam armazéns. O mesmo acontece com os 49 escritórios. As contas já estão equilibradas.

Além de quererem preservar os negócios mais antigos, trabalharam nos últimos anos para atrair outras propostas. “É uma forma de dar continuidade ao lado mais alternativo que desde há muito tempo é imagem de marca do centro”, afirma Teresa Pinto.

Acredita que o futuro do CCC, ainda que “indefinido”, passe pelos novos ateliers de artistas emergentes, espaços de exposição e pelas várias actividades que lá são realizadas: “Queremos continuar a ser incubadora de novos projectos e um espaço para pessoas com ideias, mas sem capital”.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários