Os protestos chegam em Dezembro, de barco

A antecedência com que as legislativas foram marcadas – 304 dias – é digna de registo.

O Orçamento do Estado para 2019 foi aprovado há quinze dias, a 29 de Novembro, e desde então os protestos têm vindo a intensificar-se em Portugal. Os professores mantêm-se intransigentes na defesa dos seus direitos, os enfermeiros ameaçam com mais greves que podem adiar cirurgias para o segundo trimestre do ano, os guardas prisionais param no Natal, os inspectores do SEF e os seguranças dos aeroportos vão fazer greve no período das férias, os bombeiros protestam contra a nova lei orgânica da protecção civil.

Contas feitas pelo PÚBLICO, há 47 pré-avisos de greve até final de 2018 quando em 2017 houve apenas 15 paralisações. Coincidência ou não, são os últimos dias antes de um ano que vai deixar os principais partidos, e não só, à beira de uma guerra que pode baralhar a sua importância eleitoral. As datas das três eleições já foram marcadas: 26 de Maio, 22 de Setembro e 6 de Outubro. E o tiro de partida para a campanha foi dado logo a seguir.

A antecedência com que as legislativas foram marcadas – 304 dias – é digna de registo (estou em crer, aliás, que nunca a data foi revelada com tanta antecedência), mas apressa o calendário: o dos partidos, o dos sindicatos, o das classes profissionais e até o da Comissão Nacional de Eleições. Não será isso que explica a intensificação dos protestos? 

Sei que não há uma estação do ano ou um mês mais adequado para greves ou manifestações, mas se a intenção fosse pressionar o Governo e influenciar as suas decisões orçamentais, sem dúvida que o prato forte dos protestos teria de ser servido antes das aprovação do OE. Fazê-lo quando muitas decisões relativas ao ano que vem já estão tomadas, fechadas e aprovadas pelo Parlamento (falta apenas a assinatura de Marcelo Rebelo de Sousa), é meio caminho andado para a margem de negociação diminuir.

"O mundo não se esgota no Orçamento", justificou-se Jerónimo de Sousa. É verdade. Mas é por isso que importa saber se a contestação sobe porque está aberta a época de caça ao voto ou se sobe porque, como diz Assunção Cristas, as pessoas não são insensatas e, simplesmente, "não está tudo bem".

Quando os bombeiros voluntários recusam passar informações sobre as suas operações à protecção civil, não está tudo bem. Quando há centenas de cirurgias que são adiadas diariamente porque os enfermeiros estão em greve, não está tudo bem. Quando várias classes profissionais chegam ao ponto de parar durante várias semanas para alguém os ouvir dizer que as suas carreiras ou os seus estatutos precisam de ser renegociados, não está tudo bem. Quando o país vai para a rua, de colete amarelo, e incendeia carros ou pilha lojas, não está tudo bem. Mas isso ainda não é Portugal, dirão. Em Portugal, esse protesto inorgânico e desorganizado ainda não conseguiu fazer mais do que levar dezenas de utentes a passar os torniquetes e invadir um barco em protesto porque a oferta é insuficiente. Há uma ameaça de manifestação sem dono marcada para uns dias antes do Natal, mas não se espera uma torrente de manifestantes.

Ninguém se iluda. As eleições são já ali ao virar da esquina e todos querem fazer ouvir a sua voz, mas não está tudo bem.

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