A vitória de Theresa May

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Theresa May conseguiu ontem sobreviver à moção de desconfiança dos deputados do seu partido. A margem foi suficientemente grande para que se tenha falado numa “posição reforçada” da primeira-ministra britânica. Para quem na véspera tinha adiado a votação do acordo do “Brexit”, não deixa de ser um reforço muito relativo e com prazo marcado: May foi obrigada a prometer que não voltaria a ser candidata do Partido Conservador nas próximas legislativas. E embora ninguém saiba quando são as próximas legislativas — no Reino Unido cabe ao Governo marcar eleições —, a primeira-ministra teve de dar um sinal de desapego e sossegar a horda de potenciais sucessores que a persegue, seja por motivos políticos seja por mera ambição pessoal. Perderam agora, podem ganhar no futuro próximo.

O imbróglio de May é de alta complexidade e não ficou resolvido com o voto de ontem. O “Brexit” aconteceu quando ninguém estava à espera, convocado por um primeiro-ministro e líder conservador, David Cameron, que nunca pensou que lhe saísse aquele resultado. Cameron queria, simplesmente, sossegar a ala eurocéptica dos tories, que sempre existiu mas que nos últimos tempos se tinha tornado mais ruidosa. Após lhes ter dado, primeiro, a prenda da saída do europeísta Partido Popular Europeu, Cameron quis ir mais longe na prestação de serviços à ala antieuropeísta, Infelizmente para ele, não conseguiu avaliar o mal-estar existente no país com a Europa — e as sondagens que davam a vitória dos que desejavam a continuidade na Europa enganaram-se estrondosamente. Quando andou a fazer campanha pelo “Remain”, Cameron já ia tarde. Se é verdade que o Reino Unido sempre teve um pé dentro e outro fora da UE, o “Brexit” é um acto radical que sucede num momento de mal-estar profundo na UE. Esse mal-estar revela-se com os “coletes amarelos” nas ruas de França ou com a ascensão ao poder de partidos anti-Europa em Itália. É a consciência desse mal-estar que levou ontem Pedro Sánchez a aumentar o salário mínimo dos espanhóis para 900 euros, declarando que um país rico não podia ter trabalhadores pobres. Pois não. O leitor que vá visitar o Parlamento Europeu percebe que há um enorme desfasamento entre as elites que decidem e o cidadão comum que tem de obedecer às políticas. Na China, esse potentado económico, “as coisas funcionam” — porque é uma ditadura. A Europa democrática tem de funcionar de outra forma, sob pena de, a prazo, se dissolver nas suas gigantes contradições. 

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