Cada vez mais pessoas vão trabalhar em acção humanitária e o ISCTE quer formá-las

Um ciclo de conferências iniciado na sexta-feira vai marcar o arranque de novos programas com uma Escola de Verão e uma Pós-Graduação já em 2019. Uma maneira de tentar “tornar o mundo um bocadinho melhor”.

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Uma distribuição de ajuda da ONU em Damasco, capital da Síria Bassam Khabieh/Reuters

A completar 46 anos de vida, o ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa vai lançar-se numa nova área de formação que tem crescente procura e pouca oferta – a acção humanitária. “Infelizmente, tendo em conta o mundo que aí vem, cada vez mais vamos precisar de iniciativas destas”, diz o coronel Nuno Lemos Pires, que aqui fez o seu doutoramento.

“É algo que se enraíza naquilo que o ISCTE sempre fez”, começa por dizer a reitora, Maria de Lurdes Rodrigues. Por um lado, a instituição “já recebia pedidos de recrutamento de profissionais para todo o mundo nesta área e percebemos que tínhamos todas as valências, da gestão de projectos e de equipas à logística, mas também as tecnologias de informação, a arquitectura, os serviços sociais, as relações internacionais, a gestão de conflitos...”, enumera.

Por outro, nota, o processo para criar estes programas parte da mesma lógica que fez crescer o ISCTE: “O início ficou muito marcado por dois cursos, Sociologia e Gestão, com três anos em comum. Em qualquer dos dois estudávamos Economia, Psicologia, Antropologia ou História, e foi destas disciplinas que acabaram por nascer todos os outros cursos.”

Para além de uma Escola de Verão de duas semanas e uma Pós-Graduação em Acção Humanitária já em 2019, o objectivo é lançar um Mestrado Internacional no ano seguinte. Entretanto, arranca já nesta sexta-feira um ciclo de conferências onde, como no conjunto destas formações, também se pretende “revelar este lado que se conhece mal, de tantos portugueses que tiveram experiência em acção humanitária e podem dar o seu testemunho”, diz a reitora.

Lemos Pires iniciará o ciclo com uma sessão dedicada “à importância das acções humanitárias” em duas missões das Forças Armadas. Primeiro, a participação numa missão da NATO a pedido do Governo do Paquistão para auxiliar na resposta ao terramoto que assolou o Nordeste do país, em Outubro de 2005, uma operação puramente humanitária; depois, o acompanhamento (equipa de mentores e oficiais de ligação, em termos militares) das forças afegãs no âmbito da ISAF (Força Internacional de Assistência à Segurança) em 2009 e 2010 (Portugal tem integrado a ISAF desde 2001 com diferentes capacidades).

Os dois exemplos vão servir a Lemos Pires para sublinhar “a necessidade de coordenação permanente entre todas as forças presentes” tanto num caso como noutro e a importância enorme da “vertente humanitária” na segunda missão, de carácter militar. Para as Forças Armadas, “a acção humanitária não é a linha fundamental mas é tão importante como as outras”, seja a “abrir estradas” durante o combate aos incêndios em Portugal ou a “auxiliar os afegãos a distribuir comida em lugares onde as ONG não chegam”.

Outros conferencistas que passarão pelo ISCTE são portugueses com experiências em instituições civis que muitas vezes actuam em situações de crise, como Nuno Mota Pinto, director executivo do Banco Mundial para Portugal, Itália, Grécia e Timor; ou Nelson Olim, especializado em Medicina de Catástrofes e a trabalhar actualmente para a Organização Mundial de Saúde, depois de muitos anos no Comité Internacional da Cruz Vermelha.

“Estou muito entusiasmada. Não há nada desta natureza e tenho grandes expectativas. Acredito que o curso de Verão, modelo em que temos grande experiência nas mais diversas áreas, vai ser muito bem-sucedido. Vai servir para testar as nossas capacidades e o mercado”, diz a professora, ex-ministra da Educação (2005-2009). 

Aqui, neste primeiro degrau, o ISCTE vai oferecer “módulos relativos aos conceitos envolvidos na acção humanitária, à análise sobre esses conceitos, à compreensão das relações internacionais e geostratégicas, e das razões que podem suscitar a necessidade deste tipo de acções, no fundo, acrescentando à dimensão técnica – da saúde, por exemplo – a capacidade de reflexão e entendimento das especificidades destas acções e das situações em que se está a interferir”.

Dormir descansados

Para além de parcerias com universidades do Norte da Europa, as únicas no continente que já oferecem formações comparáveis e “têm tradição e trabalho consolidado” nesta área, o ISCTE já estabeleceu parceiras com uma universidade em Moçambique e outra em Cabo Verde, num campo em que “o domínio das línguas é fundamental e o português também é uma vantagem”. E de regresso ao início, à oferta do próprio ISCTE, Maria de Lurdes Rodrigues conta que à primeira “chamada interna” surgiram docentes de todas as áreas e escolas a oferecer disciplinas – difícil vai ser decidir as que ficarão de fora.

Outro objectivo é “dar um contributo para revalorizar a acção humanitária no sentido de combater melhor as situações de emergência quando elas ocorrem, acorrer a aliviar o sofrimento no momento”. Num contexto de tantos conflitos e tragédias, a professora teme que estejamos a viver uma “espécie de banalização dos males”. Isto enquanto o debate académico se tende a incidir mais sobre a fase posterior, da ajuda ao desenvolvimento.

Pelo meio, sublinha a reitora, joga-se a vida das pessoas, em guerras terríveis e sem fim à vista como a da Síria, na República Centro-Africana, ou “no Mediterrâneo, e perguntamo-nos como é que se pode dormir descansado?”. A verdade é que, afirma Lemos Pires, estas situações só tenderão a multiplicar-se, “com cada vez mais pessoas com acesso a menos recursos, sobretudo água, a viver no mesmo planeta”. Por tudo isto, diz Maria de Lurdes Rodrigues, “as instituições públicas e privadas precisam de bons profissionais dedicados” e oferecer esta formação também é tentar “tornar o mundo um bocadinho melhor”.

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