Álcool e burocracia são entraves na candidatura das Nicolinas à UNESCO

O consumo de álcool por jovens e as falhas do inventário do património imaterial da DGPC são as “principais dificuldades” para as Nicolinas, festas estudantis de Guimarães, há mais de 300 anos em vigor, se candidatarem com sucesso a património da UNESCO, diz estudo antropológico.

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Luis Efigénio / nFACTOS

A mais recente edição das Nicolinas terminou há uma semana – a festa decorre anualmente de 29 de Novembro a 07 de Dezembro -, mas a candidatura a património imaterial da UNESCO desta manifestação em honra de São Nicolau, com mais de 300 anos (o documento mais antigo que se conhece data de 1645), é um assunto já debatido há anos, alvo do estudo “As Festas Nicolinas em Guimarães: tempo, solenidade e riso”, apresentado nesta quinta-feira por Jean-Yves Durand.

As principais dificuldades numa eventual candidatura das Nicolinas à UNESCO, disse o antropólogo da Universidade do Minho, são o mau funcionamento do Inventário Nacional do Património Cultural e Imaterial (INPCI), sob a alçada da Direção-Geral do Património Cultural, e o consumo de álcool, nomeadamente entre os estudantes do Ensino Secundário, muitos deles ainda abaixo dos 18 anos.

O académico recordou que, em Junho de 2015, a Assembleia da República proibiu a disponibilização e o consumo de bebidas alcoólicas a menores no espaço público, pelo que a Câmara Municipal, ao manifestar a intenção de candidatar as festas estudantis a património imaterial da UNESCO, poderia estar, no limite, a “promover actividades ilegais”. “Este é um evento onde actividades ilegais são uma constante e fazem parte da identidade histórica da tradição”, disse.

O consumo de álcool por menores, disse ainda Jean-Yves Durand, é ainda olhado como um problema de saúde pública pela Organização Mundial de Saúde e pela UNESCO, apesar da manufactura da cerveja, na Bélgica, estar incluída na lista do património imaterial. O antropólogo realçou, porém, que não existe nenhum documento instituído que obrigue os nicolinos – incluem hoje todos aqueles que estão ou já passaram pelas escolas secundárias do concelho – a beber.

A presença do álcool, disse, é frequentemente o resultado da pressão entre colegas, nem sequer explícita várias vezes, em números como as Posses, o Pregão e o Pinheiro, o número mais concorrido das festas, em que milhares de pessoas percorrem as ruas da cidade, na noite de 29 de Novembro.

Quanto ao funcionamento do INPCI, o antropólogo criticou as falhas constantes da plataforma online MatrizPCI e o facto de ainda não ter havido qualquer resposta da DGPC ao pedido de classificação das Nicolinas como património imaterial do país, há mais de dois anos.

Diálogo com outros cultos a São Nicolau

O culto à figura que no século IV foi bispo de Mira – hoje Demre, cidade turca na costa mediterrânica – pode, no entanto, revelar-se “sedutor” para quem eventualmente avaliar a candidatura à UNESCO, dada a “intensidade e enraizamento do sentimento Nicolino” e o “vigor da sua transmissão intergeracional”, afirmou Jean-Yves Durand.

Para o antropólogo, o município podia estabelecer pontes com outras cidades que se distinguem pelo culto a São Nicolau, ainda que de formas distintas, como Nancy, na França, Liège, na Bélgica, Karlsruhe, na Alemanha, e Bari, em Itália, onde supostamente estão as relíquias do santo. “A UNESCO favorece as candidaturas internacionais. Enquadra-se na promoção do diálogo intercultural. Candidaturas que juntam vários países são vistas como positivas. Contactos com essas cidades fariam sentido”, realçou.

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