Natal é família, comida e emoções. Mas cuidado com o coração

Novo estudo mostra que na noite de 24 de Dezembro, às 22 horas, há maior probabilidade de uma pessoa sofrer de um enfarte cardíaco, assim como às segundas-feiras de manhã.

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Universidade de Washington em St. Louis

Com o Natal à porta, há quem comece já a pensar nos jantares de família e nos amigos reunidos. Mas atenção: há mais do que está à vista. Isto porque no Natal e no Ano Novo o risco de ataque cardíaco também aumenta. Há até quem dê como exemplo o caso do antigo primeiro-ministro britânico Winston Churchill que se diz ter tido um enfarte do miocárdio enquanto visitava a Casa Branca, no Natal de 1941. 

Na noite de 24 de Dezembro, véspera de Natal, o risco de enfarte do miocárdio aumenta 37% (com o pico por volta das 22 horas), segundo um estudo do Departamento de Cardiologia da Universidade de Lund (Suécia), publicado esta quinta-feira na revista British Medical Journal (BMJ), principalmente para as pessoas com mais de 75 anos ou com doenças como a diabetes e hipertensão.

Para esta investigação, os especialistas analisaram 283.014 casos de ataques cardíacos registados na Suécia entre 1998 e 2013 (através da plataforma SWEDEHEART), tendo em atenção o momento exacto, detalhado ao minuto, de início dos sintomas e a sua gravidade.

De forma a conseguirem perceber se factores temporais poderiam desencadear ataques cardíacos, a equipa sueca analisou a hora e data de admissão dos doentes nos hospitais devido a enfartes (agudos ou não) do miocárdio durante feriados nacionais, épocas festivas, eventos desportivos – como o Mundial de futebol, o Campeonato Europeu de Futebol e os Jogos Olímpicos. Para termo de comparação, foram ainda analisadas as duas semanas antes e depois destes eventos (no caso dos torneios desportivos, o mesmo período de tempo no ano antes e depois), definidos como “períodos de controlo”. 

Os investigadores chegaram à conclusão de que o risco de ataque cardíaco é, no geral, 15% maior durante o Natal e Ano Novo. Mas não só: a probabilidade de sofrer um enfarte também aumenta nas primeiras horas da manhã, cerca das 8h, e às segundas-feiras, assim como nas festas de S. João (celebradas no Verão na Suécia, à semelhança de Portugal). Já a Páscoa e os torneios de futebol não revelaram risco associado. Importa referir que os casos de enfarte agudo do miocárdio tiveram uma incidência maior em pessoas quatro anos mais jovens, homens e fumadores em relação aos outros casos de enfarte.

O risco de problemas cardíacos também se mostrou superior no dia de Ano Novo, o que, segundo os autores, poderá estar relacionado com “uma negligência e encobrimento dos sintomas” por parte dos doentes. Além disso, os cientistas referem que uma maior carga emocional (revolta, ansiedade, luto ou alegria), assim como mudanças no estilo de vida e hábitos das pessoas e uma exposição a temperaturas baixas, poderá estar associada a um aumento do risco de ataque cardíaco durante épocas festivas. 

Estudos anteriores tinham já revelado um aumento no número de ataques cardíacos e mortes no mundo ocidental durante o Natal e Ano Novo, à semelhança do que acontece em datas de celebração em países islâmicos. Também outros acontecimentos de curto prazo têm sido associados a este fenómeno, tais como sismos, furacões, guerras ou quebras no mercado de acções.

Porém, advertem os cientistas, este é um estudo observacional (feito em contexto nacional) e não podem retirar-se conclusões absolutas de causa-efeito nem excluir a possibilidade de outros factores contribuírem para o aumento no número de enfartes cardíacos. Ainda assim, acrescentam, “compreender que factores, actividades e emoções precedem estes enfartes do miocárdio e de que forma diferem dos enfartes ocorridos noutros dias poderá ajudar a desenvolver uma estratégia para diminuir o seu número”.

Mais mortes e readmissões nos hospitais 

Além de o risco de ataque cardíaco aumentar, também se verificou um aumento no número de mortes e readmissões nos hospitais durante a época natalícia. Uma outra investigação de uma equipa do Hospital Geral de Toronto (Canadá), publicada também esta semana na revista BMJ, mostra que uma falta de acompanhamento dos doentes, assim como a escassez de médicos e enfermeiros pode ser perigosa para doentes que recebem alta hospitalar durante a época natalícia. 

No estudo canadiano na província do Ontário, analisaram 217.305 casos de adultos e crianças – excepto recém-nascidos, grávidas ou pacientes em cuidados paliativos ou internados por mais de cem dias – que receberam alta hospitalar entre o Natal e o Ano Novo (de 2002 a 2016), em comparação com aqueles que saíram do hospital em Novembro e Janeiro. E chegaram à conclusão de que os doentes tratados (a diversos problemas) durante a época natalícia têm maior probabilidade de voltar a dar entrada no hospital nos sete (aqui o risco chega a ser 16% mais elevado), 14 e 30 dias seguintes. 

Segundo os cientistas, isto poder-se-á dever a uma escassez de pessoal, atrasos na realização de exames médicos e na triagem, uma diminuição das consultas de acompanhamento dos doentes e à necessidade de dar prioridade aos doentes em risco de vida. Na época natalícia (em comparação com os outros meses analisados), em 100 mil pacientes, registaram-se mais 26 mortes, 188 readmissões nos hospitais, 483 novas visitas às urgências e menos 2999 consultas de acompanhamento. 

É de notar ainda que esta altura está geralmente associada a excessos na comida e bebida, mais stress e falta de sono, concluem os autores, “circunstâncias alteradas que podem destabilizar um problema médico grave”. Este não é o primeiro estudo a revelá-lo. Outros investigadores tinham já demonstrado uma maior probabilidade de morrer de causas naturais na semana entre o Natal e o Ano Novo. 

Os especialistas alertam assim, de forma geral, para uma atenção redobrada, tanto por parte dos cidadãos como dos profissionais de saúde, aos cuidados e exageros nesta época natalícia.

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