Sentsov perdeu a liberdade, ia perdendo a vida, mas mantém o poder da palavra

O realizador ucraniano preso há quatro anos na Rússia não esteve em Estrasburgo para receber o Prémio Sakharov, mas fez chegar a sua voz. Não irá descansar enquanto não houver liberdade para os presos políticos do regime de Putin.

Oleg Sentsov, o prisioneiro que o Parlamento Europeu quer ver libertado Teresa Abecasis

A cadeira onde Oleg Sentsov se deveria sentar para receber o Prémio Sakharov, atribuído pelo Parlamento Europeu, estava vazia. Oleg Sentsov está a mais de seis mil quilómetros, preso na colónia penal de Labitnangi, no Norte da Rússia, onde cumpre uma pena de 20 anos de prisão acusado de terrorismo.

Nesta quarta-feira em Estrasburgo, na cerimónia de entrega do prémio que promove a defesa dos direitos humanos, Sentsov, de 42 anos, foi representado pela prima, Natalia Kaplan, que o apresentou como um “preso político, mas sobretudo realizador”. “Oleg sempre teve um sentido agudo de justiça”, afirmou Kaplan, durante a sessão plenária do Parlamento Europeu na cidade francesa. Apesar de não estar presente, o cineasta fez chegar uma mensagem lida pela prima, em que falou do poder das palavras e também da ausência delas.

“Não posso estar nesta sala, mas vocês podem ouvir as minhas palavras. Mesmo que outra pessoa esteja a dizer que a palavra é a principal ferramenta de alguém e, muitas vezes, a sua também, especialmente quando tudo o resto lhe foi retirado”, escreveu Sentsov, que também prestou homenagem a Andrei Sakharov, o físico nuclear soviético que se tornou uma das principais vozes a denunciar a repressão do regime soviético, tendo sido preso pelas suas posições. “Para mim é uma honra imerecida sequer ser comparado com ele. Espero conseguir ainda ter tempo para fazer algo para que sinta que mereci este prémio.”

O suplício de Sentsov começou a 10 de Maio de 2014, quando foi detido pelas forças de segurança russas, que acabavam de ocupar a península da Crimeia, entretanto anexada formalmente, apesar da falta de reconhecimento internacional. Sentsov já tinha apoiado as manifestações antigovernamentais da Praça da Independência em Kiev e participou em protestos contra a anexação da Crimeia. Foi acusado de “planear actos de terrorismo”, que incluíam o incêndio da sede de um partido pró-russo em Simferopol e do edifício pertencente à comunidade russa local.

“Uma farsa”

O julgamento foi descrito como uma “farsa” pelo advogado de Sentsov, Dmitrii Dinze, e a Amnistia Internacional comparou-o aos “julgamentos de fachada da era estalinista”. A acusação não apresentou provas do envolvimento do cineasta nos incêndios, baseando o seu caso em dois testemunhos que faziam parte do mesmo grupo de oposição à anexação – um deles acabou por retirar as suas declarações, dizendo que foram obtidas sob tortura. O próprio Sentsov disse em tribunal ter sido espancado durante os interrogatórios, sufocado, obrigado a estar nu e até ameaçado de violação com um bastão. Os investigadores recusaram apurar a origem das feridas e nódoas negras apresentadas pelo realizador, dizendo estar relacionadas com “práticas sexuais sado-masoquistas”.

Depois de passar um ano numa prisão na região de Iacútia, no extremo Oriente russo, Sentsov foi transferido para a colónia penal de Labitnangi, conhecida como “urso polar” pela proximidade do círculo polar árctico, especialmente isolada e para onde costumam ser enviados os criminosos mais perigosos da Rússia. Há mais de quatro anos que está praticamente isolado do mundo. Decidiu não receber visitas da família, apenas do advogado. Natalia Kaplan percebe a decisão.

“As pessoas cá fora têm hipótese de concentrar a sua atenção noutras coisas, podem ver outras pessoas, chorar noutro ombro, embriagar-se. Mas para o Oleg isso não é uma opção, ele irá relembrar a visita constantemente na sua mente”, explica a prima, em conversa com o PÚBLICO. Os contactos com a família resumem-se a cartas e a um telefonema mensal, quase sempre para os dois filhos pequenos que vivem com a mãe do realizador na Crimeia.

Em Maio, quatro anos depois de ser preso, Sentsov inicia uma greve de fome que irá durar 145 dias, até 6 de Outubro, numa altura em que apresentava um estado de saúde muito preocupante e as autoridades prisionais se preparavam para o alimentar à força. A greve de fome foi a única forma que encontrou para chamar a atenção do mundo para a situação dos presos políticos ucranianos. “Ele diz sempre que as suas acções não são para o ajudar, mas para libertar os outros presos políticos”, disse o advogado, durante a conferência de imprensa no Parlamento Europeu.

Durante os meses da greve de fome, multiplicaram-se os apelos para que o realizador fosse libertado. O Presidente francês, Emmanuel Macron, e a chanceler alemã, Angela Merkel, manifestaram a sua preocupação directamente ao Presidente russo, Vladimir Putin, e foi criada uma grande expectativa de que Sentsov pudesse ser libertado durante o Campeonato do Mundo de futebol organizado pela Rússia.

O Kremlin não cedeu. O advogado Dmitrii Dinze compara o tratamento dos presos políticos pela Rússia ao “comércio de escravos que se fazia antigamente”. “Putin está a guardar Sentsov até achar que o pode trocar por alguma concessão”, afirma.

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