As carreiras dos portugueses

Um Governo pode ser patrão da função pública, mas é também responsável por criar condições para a evolução das carreiras de todos os portugueses.

Há uns dias atrás, a secretária-geral adjunta do PS teve um curioso lapsus linguae, numa debate televisivo: “Nós desbloqueamos as carreiras dos portugueses”. Como é claro, Ana Catarina Mendes referia-se aos trabalhadores do sector público e não à generalidade dos portugueses, para os quais a acção do Governo socialista terá certamente ajudado a recompor os rendimentos atingidos pelos tempos da troika, mas não chegou ao ponto de determinar a sua evolução em termos profissionais.

O lapso é curioso porque revela o perigo que o Governo corre de avaliar a sua performance pelos ganhos que se registaram na função pública, de quem é patrão, e de esquecer que o grosso dos portugueses não tem 35 horas semanais de trabalho, não tem um salário mínimo de 635 euros e, principalmente, não tem a garantia de um emprego certo.

Não se trata aqui de reeditar a péssima ideia do “nós” contra “eles”, presente nos tempos de Passos Coelho, nem de menosprezar o papel de liderança que o sector público deve ter, pelo exemplo, nas condições laborais. Mas de reforçar a ideia que há todo um mundo para lá das polémicas em torno do sector público, que ocuparam quase todo o espaço de discussão durante esta legislatura e que mesmo agora, orçamento já aprovado, registam um clima de conflitualidade que não tem paralelo no sector privado. Basta olhar para a diferença no número de pré-avisos de greve até ao final do ano: no público são quase meia centena, no privado andam em torno de uma dezena.

Perante este clima, e condicionado por parceiros parlamentares que não tiram os olhos do mercado eleitoral que esta área representa, o Governo tem tido o lapso de tomar a dor de cabeça pelo todo. É pena que assim seja, porque o resultado tem sido uma quase total ausência da economia do discurso político.

Um Governo pode ser patrão da função pública, mas é também responsável por criar condições para a evolução das carreiras de todos os portugueses. E mesmo que os indicadores revelem algumas razões para satisfação, Portugal continua a ocupar uma posição modesta no conjunto europeu e a revelar taxas de crescimento anémicas.

As pessoas que temos vindo a retratar na nossa série sobre a pobreza têm certamente os seus problemas mitigados pela aposta em políticas sociais de apoio, e por um sector público robusto que os auxilia nos momentos mais complicados. Mas os seus filhos só poderão sonhar seriamente com uma “carreira” se houver economia a funcionar.

                   

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