Comércio de Lisboa: "Queremos que quem nos visita não venha só comer e dormir"

Representante do comércio lisboeta diz que é tempo de haver mais divulgação das lojas da cidade junto dos turistas e um plano estratégico para o sector.

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Maria de Lourdes Fonseca tomou posse em Janeiro DR

Há quase um ano que Maria de Lourdes Fonseca chegou à liderança da União de Associações de Comércio e Serviços (UACS) de Lisboa. Neste período, a cidade perdeu mais algumas lojas históricas e continuou a assistir à chegada de muitos turistas. Esses dois mundos, turismo e comércio, ainda não estão tão ligados como deviam, defende a responsável, que pede à Câmara de Lisboa um plano estratégico para o comércio.

Recentemente a Casa Senna, há 184 anos na Baixa, venceu uma disputa judicial com o senhorio e garantiu a sua existência por, pelo menos, mais cinco anos. Maria de Lourdes Fonseca destaca a importância deste desfecho, considerando que abre um precedente positivo para outras lojas classificadas.

A decisão judicial sobre a Casa Senna foi a primeira do género?
É o primeiro caso de uma Loja com História em que houve uma acção interposta pelo senhorio, já com a loja classificada, e houve uma sentença favorável ao inquilino. Daí que seja tão importante esta decisão.

Isto vem dar mais sentido ao trabalho dos últimos anos?
Vem dar um reconhecimento. Ao público em geral pode passar um pouco despercebido, mas quem interage com os empresários e com a câmara é que consegue perceber a dinâmica e o que está por trás em termos de trabalho. Acaba por ser gratificante para nós, para a própria Casa Senna e também para a câmara ver um desfecho destes. É a forma de nós conseguirmos manter quem tem vontade de se manter e de evoluir. O trabalho não foi em vão, está reconhecido.

A anterior presidente da UACS dizia que lhe chegavam quase diariamente relatos de lojas, mais históricas ou menos, em risco de fechar. Isto continua a acontecer?
Sim, claro que sim. Temos um pouco de tudo. Às vezes é difícil, tendo em conta os valores de rendas ou indemnizações, para este tipo de empresas, sobretudo quando são pessoas com uma determinada idade, travar processos desses. Antigamente a legislação previa o trespasse. Neste momento não existe. Como não existe, se quiserem passar o negócio… Em certos casos as indemnizações acabam por ter um valor bastante favorável para os empresários. E contra a vontade particular não há nada que se possa fazer.

Isto é um processo muito desgastante para os empresários.
É desgastante para todas as partes e para os empresários, como é óbvio. Se estamos a falar de pequenas empresas, o valor da renda é fundamental. Quando vemos que Lisboa neste momento é uma das cidades mais procuradas para criação de empresas, quer na área do comércio mas sobretudo na dos serviços, em que a procura é muitíssimo grande, a especulação imobiliária é grande e portanto o valor da propriedade tornou-se muito, muito grande.

Quantas lojas que poderíamos considerar históricas ainda existem?
Neste momento estão classificadas 121 no programa Lojas com História. No processo inicial foram identificadas cerca de 300 lojas que poderiam vir eventualmente a habilitar-se. Dessas 300 lojas já fecharam bastantes. Teremos agora, possivelmente, umas 200. Quase o dobro daquilo que temos actualmente classificado. Mas aí já depende muito do próprio empresário.

Têm feito divulgação do programa?
Fazemos tanto junto dos nossos associados como dos que não são.

O Lojas com História parece-lhe suficiente para acautelar o futuro destas lojas?
Uma coisa é o que fazemos a nível local, pela câmara, e aí já se chegou bastante longe. É preciso ir um bocadinho mais além. É fundamental haver alterações à lei do arrendamento. Uma das nossas pretensões é que haja uma perfeita distinção entre arrendamento habitacional e comercial. São realidades diferentes que têm de estar contempladas. As rendas comerciais sempre tiveram actualizações, não estavam na situação da habitação. E havia figuras, como o trespasse e outras. Não quer dizer que tenha de se voltar atrás, temos de nos adaptar à realidade que temos hoje, que em termos económicos, com o turismo e as novas tecnologias, requer uma abordagem diferente. Mas requer também um certo ajuste em termos de arrendamento para as pequenas e médias empresas sobreviverem. Aí é fundamental mexer.

Mas que medidas concretas preconiza?
Ninguém vai investir com contratos de arrendamento de um ano. A empresa, se não tiver uma perspectiva de pelo menos conseguir ter o break even e o retorno do investimento, não vale a pena.

Isso talvez seja verdade para um empresário médio português, mas se calhar um empresário estrangeiro tem mais disponibilidade financeira para, por exemplo, abrir um restaurante e depois ele não correr bem.
Um restaurante tem uma perspectiva de retorno que não tem uma loja de roupa, por exemplo. As primeiras necessidades de um turista são comer e dormir. Aquilo que nós queremos é que as pessoas que nos visitam não venham só comer e dormir. Que não venham só pela gastronomia, que é aquilo que eles já sabem que vão encontrar. Tem de haver uma divulgação maior do comércio e uma valorização das actividades, quer das tradicionais quer das outras, as que se reinventam, ou de marca: os clientes, em vez de irem a Paris ou Milão, porque é que não podem vir cá? Já que nós conseguimos ter este fluxo ‘anormal’ dentro da economia, que seja aproveitado numa outra valência. Aí há ainda muito trabalho a fazer para dar a conhecer aquilo que temos.

Chegou a existir um projecto chamado Lisbon Shopping Destination. O que lhe aconteceu?
É um projecto que neste momento está mais ou menos adormecido. Queremos ir buscar estes projectos de comércio e serviços e trazê-los para a primeira linha. É óbvio que temos os habitantes da cidade e temos de os servir, mas queremos ser uma opção para os nossos visitantes poderem ter um incentivo a estarem cá e a deixarem cá dinheiro – sem ser só em gastronomia e dormidas.

Portanto os visitantes não têm sido bem informados de que há uma oferta comercial para lá disso?
Alguns sim, outros não. Não me parece que a informação esteja tão estruturada como está na hotelaria e restauração.

E como é que se pode fazer mais divulgação?
Utilizando os meios que nós temos, através das regiões de turismo. E também com esse Lisbon Shopping Destination, pegar nele e adaptá-lo a uma nova realidade. Pensamos também em pôr algumas pessoas que conhecem bem o sector comercial em discussão para termos um plano estratégico que nos possa levar tão longe como já levámos a hotelaria e a gastronomia.

Existe algum plano de Urbanismo comercial em Lisboa?
Que eu tenha conhecimento, não. Mas é um bom ponto, é uma das coisas que aqui na UACS temos vindo a falar, poderia ser uma das armas fundamentais para o desenvolvimento do comércio em Lisboa.

Que tivesse, por exemplo, definição de zonas?
Não, definição de zonas não. Nós temos vários pólos comerciais na cidade: Campo de Ourique, Alvalade, Príncipe Real, Baixa, Praça de Londres e Guerra Junqueiro, Almirante Reis… Temos vários centros e o Urbanismo comercial devia olhar à diferenciação, dando oportunidade a que todos se desenvolvessem. Outra coisa que temos falado é tentar ser suficientemente atractivo e dar a conhecer aos nossos visitantes outras zonas comerciais que não sejam só as tradicionais.

Sente que os lisboetas estão a redescobrir o comércio de rua?
É muito mais fácil termos o comércio junto de sítios onde haja escritórios e habitação, para servir aqueles que lá trabalham, os que lá habitam e os que nos visitam. Existem sítios que são bairros dormitório, mas mesmo nesses bairros há pessoas que têm necessidade de ter determinados bens perto de casa. Esse comércio de proximidade acaba por ter cabimento no nosso tipo de vida, muito acelerado, em que as pessoas não têm muito tempo para andar às compras e faz sentido ter o essencial perto de casa.

Houve também um afastamento dos centros comerciais?
Os centros comerciais têm o seu lugar próprio, uma coisa não invalida a outra. Agora, o comércio de proximidade não deve ser preterido em relação ao centro comercial. Enquanto aqui há uns anos toda a gente pensava que bom era ir aos centros comerciais, porque havia lá tudo e podíamos lá fazer tudo, hoje revela-se que com o comércio de proximidade as pessoas podem ter uma qualidade de vida muito maior e que a diferença de preço já não é tão significativa.

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