O Meu Quintal, caro Paulo

As leis do OE impedem actos com efeitos retroactivos, mas nada determinam sobre o que se possa vir a decidir no futuro.

Paulo Trigo Pereira (PTP) replica ao meu texto sobre o seu (ab)uso do termo “retroactivos” de um modo que se limita a reproduzir argumentação usada e gasta, aproveitando para expor tudo aquilo que lhe critico e, no fundo, produzindo uma fundamentação descuidada e incoerente nos seus próprios termos.

A parte inicial do seu texto é desinteressante para a questão. Se PTP é “desalinhado” ou não e se ajudou a reforçar uma imagem ampliada por um jornal digital é um epifenómeno. Não me interessa se pensa de forma diferente do PS sobre a taxação dos refrigerantes. Referi o facto apenas porque foi o próprio a fazê-lo saber nas suas declarações públicas.

A parte seguinte centra-se na questão do tal (ab)uso do termo “retroactivos”, que PTP apresenta, usando a definição de um dicionário, como algo “que tem efeitos sobre factos passados, que modifica o que já foi feito”. E é aqui que se centra todo o problema, até porque PTP afirma que eu sei, mas omito, “que o sentido em que utilizo o adjetivo é o que vem em todos os dicionários”. Só que no quarto parágrafo do meu texto pode ler-se que “numa segunda acepção, como adjectivo, o termo ‘retroactivo’ refere-se, de acordo com a mesma fonte, a algo “que tem efeito sobre factos passados; que modifica o que já foi feito”. Não consigo compreender que PTP me acuse de omitir algo que está explícito no que escrevi. A única possibilidade que concebo é que nem se deu ao trabalho de ler o meu artigo e aproveitou para descarregar o que já tinha escrito para todas as ocasiões. É complicado argumentar com quem tem esta atitude, porque se percebe que não pretende debater, apenas repetir um guião pré-formatado. Uma cartilha de combate político.

Mas vamos acreditar que vale a pena contraditar PTP nos seus termos. Afirma ele na sua declaração de voto que “importa sublinhar que os sindicatos reivindicam retroactivos relativamente a todos os anos que as carreiras estiveram congeladas”. É isto que está escrito. Pode PTP dizer que usa o termo como adjectivo e não no sentido que todos conhecemos e usamos, mas então teriam os tais “retroactivos” de estar a qualificar algo. Mas não estão. A frase está escrita assim e assim terá sido pensada porque coincide com declarações recentes de outros dirigentes do PS, com a finalidade de criar confusão na opinião pública.

Mas, com uma forte dose de caridade, acreditemos que PTP teve um problema de expressão e queria escrever o que não escreveu e só agora teve oportunidade de especificar. Mesmo assim, está errado porque os professores do meu quintal (básico e secundário) não pretendem alterar o passado. Não pedem para progredir com efeitos a 2013 ou 2015. Um passado que PTP acha que se deve alterar a gosto, porque aceita que seja contado para uns efeitos mas não para outros. Mais estranho, acha que se pode modificar uma parte do passado (2 anos, 9 meses e 18 dias), mas não outra. E eu fico confuso. Porque as leis do Orçamento que determinaram o “congelamento” explicitam que nesses anos não existirão progressões, mas nada contêm para o futuro, pois apenas têm validade para o ano civil a que se reportam.

Atentemos na Lei 55-A/2010 de 31 de Dezembro. Nada no seu articulado vai além do que não pode ser feito nesse ano e, nesse caso, sim, que tenha efeitos retroactivos. Vejamos o n.º 5 do artigo 24.º: “5 - As alterações do posicionamento remuneratório, progressões e promoções que venham a ocorrer após a vigência do presente Artigo não podem produzir efeitos em data anterior.” Ao contrário do que afirma PTP, as leis do Orçamento impedem actos com efeitos retroactivos, mas nada determinam (nem poderiam dada a sua natureza “anual”) sobre o que o legislador possa vir a decidir no futuro. E como ninguém exige que existam progressões retroactivas, com remunerações correspondentes a uma data do passado, PTP não tem qualquer razão no que afirma.

Todo o ponto dois do texto de PTP é uma digressão sobre o seu quintal universitário e outras carreiras não reguladas pelo Estatuto da Carreira Docente em vigor, aprovado em 2007, com forte oposição dos professores. Por um governo maioritário do PS que tinha ainda como seu membro o actual primeiro-ministro. Estatuto que determina uma estrutura de carreira específica e não uma outra qualquer.

Por fim, um pequeno reparo: quando uma “obra” (o meu anterior blogue, encerrado há quase quatro anos) acompanha o autor tanto tempo, sente-se um ligeiro aroma de posteridade. Obrigado, Paulo Trigo Pereira, pela evocação do Umbigo.

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