Mais de um terço das instituições de ensino proíbe a praxe

Estruturas que organizam estas práticas são reconhecidas por quase um quarto dos reitores. BE vai propor medidas para dar às instituições “instrumentos para controlar a praxe” e, assim, "responsabilizá-las".

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Sergio Azenha

Mais de um terço das instituições de ensino superior (38%) proíbe a realização de actividades de praxe nas suas instalações. Seis em cada dez (62%) autorizam-nas. Se apenas forem consideradas as universidades e politécnicos públicos, estas actividades são permitidas em 56% dos campus.

Estes dados foram compilados pelo PÚBLICO a partir das respostas enviadas pelas instituições de ensino superior a questões colocadas no final do mês de Outubro pelo Bloco de Esquerda (BE), através do Parlamento. Responderam 61 universidades e politécnicos, num universo de cerca de 100. A maioria, instituições privadas. O prazo que tinham para o fazer terminou a 30 de Novembro.

Apenas nove instituições públicas disponibilizaram a informação pedida pelos bloquistas. Vários responsáveis de universidades estatais, questionados pelo PÚBLICO, atribuem a ausência de resposta ao elevado número de solicitações recebidas nos últimos meses, da parte do Governo e da Assembleia da República, para responder a pedidos de informação.

O deputado do Bloco de Esquerda Luís Monteiro, que liderou esta iniciativa no Parlamento, “estranha”, porém, que a maioria dos politécnicos e universidades públicas tenha ignorado o requerimento, sobretudo algumas que “historicamente têm casos relacionados com a praxe” e que deviam “ter uma preocupação particular” com o tema.

Em Outubro, o Ministério do Ensino Superior, liderado por Manuel Heitor, voltou a pronunciar-se sobre as actividades de praxe, depois de terem sido denunciados dois casos de alegados abusos. Um envolveu um estudante recém-entrado na Universidade de Évora que foi obrigado a ajoelhar-se sobre as próprias mãos e a colocar a cabeça no chão sobre um monte de farinha. Outro passou-se com um estudante do primeiro ano do curso de Ciências Biomédicas que apresentou queixa à Universidade da Beira Interior. Contou que foi levado de noite para a serra da Estrela, onde foi obrigado a despir-se, acabando por ser agredido. O ministério, que encaminhou as queixas para a Inspecção-Geral da Educação e Ciência, reafirmou o seu “total apoio ao combate a manifestações de abuso, humilhação e subserviência realizadas entre grupos de estudantes, sejam no espaço público ou dentro das instituições”.

Não foi a primeira vez que Heitor criticou este tipo de actividades. Há dois anos disse no Parlamento que “não há praxes boas e praxes más”, que elas são uma “prática fascizante”. E numa carta aberta em Setembro de 2016 defendeu ainda que as instituições de ensino não deviam reconhecer as chamadas “comissões de praxe”.

Proibir resulta?

O BE perguntou às instituições se estas ponderam vir a proibir a praxe no interior das instalações num futuro próximo. A Universidade Atlântica (Oeiras) e a Escola Superior de Saúde Atlântica, ambas pertencentes ao mesmo grupo, que recentemente mudou de proprietário, já decidiriam fazê-lo a partir do próximo ano.

O mais antigo caso de proibição no interior do campus remonta a 2008 e aconteceu nas instituições da rede do Instituto Piaget. Na mesma altura, esta instituição privada foi condenada pelo Tribunal da Relação do Porto a pagar uma indemnização de cerca de 40 mil euros a uma aluna vítima de actos “degradantes e humilhantes” durante uma praxe, num caso que remontava a 2002, em Macedo de Cavaleiros.

As posições das restantes instituições sobre a possibilidade de proibição são repartidas. Um pouco mais de metade (52%) não admite fazê-lo. Esta “não é uma solução”, justifica a Universidade Portucalense (Porto) na sua resposta, assegurando que essa opção teria “efeitos ainda mais perversos, conhecida que é a irreverência estudantil”.

Na mesma missiva, a direcção da instituição considera que a praxe deve ser “admitida como uma visão positiva” que traduza aquilo que “efectivamente deve ser a praxe académica e não com a deturpação que, ao longo dos últimos anos, e essencialmente pós-25 de Abril, se foi assistindo”.

Também a Escola Superior de Educação João de Deus, com sede em Lisboa, considera a praxe “um momento importante e incontornável no início de cada ano lectivo”, afirma o seu director, António Ponces de Carvalho, na resposta enviada ao Parlamento, classificando estas práticas como “um património”.

A proibição da praxe no interior das instalações das universidades e politécnicos também divide os responsáveis do sector público. Há reitores que consideram que é preferível autorizá-la, dentro de determinadas regras e limitações, em vez de a confinar a terrenos exteriores aos campus, onde o controlo sobre o que lá se passa é menor.

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É nesse sentido que aponta a solução seguida na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) — que não respondeu às questões do BE —, onde a praxe é permitida até às 20h00 e desde que não haja “barulho ou actos degradantes”, explica o reitor, António Fontainhas Fernandes.

Aquele responsável, que é também presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, lembra que a proibição da praxe “não tem os mesmos efeitos” numa instituição como a UTAD, que tem um campus único e fechado, que em universidades como as do Porto e Lisboa, com instalações espalhadas por toda a cidade.

Os dados recolhidos a partir das respostas das instituições mostram também que, entre aquelas que autorizam a praxe no interior das suas instalações (38 das 61 que responderam), apenas três impõem condicionamentos, quer seja nos horários, nas datas em que a praxe pode ocorrer, quer seja nos locais.

Na Cooperativa de Ensino Superior Politécnico e Universitário-CESPU, em Paredes, e no Instituto Superior de Administração e Gestão, no Porto, duas instituições privadas, a praxe pode ocorrer dentro do campus, mas apenas nos espaços ao ar livre. Num outro caso, o do Instituto Superior de Paços de Brandão, a praxe só é permitida “em casos pontuais” e com autorização da direcção.

As respostas permitem perceber que 23% das universidades e politécnicos reconhecem as estruturas de organização da praxe, ou seja, os reitores reúnem-se com elas, como se fossem uma organização formal dentro da instituição.

Em número menor, cerca de 10% das instituições (todas privadas) convidam as estruturas ligadas à praxe para cerimónias oficiais, desde logo para as sessões de inauguração do ano lectivo, bem como para outros actos formais.

Apenas num dos casos é a própria associação de estudantes a organizar a praxe. Acontece no Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes, de Portimão. Este é também o único caso, nas respostas recebidas pelo Bloco, em que a instituição de ensino superior apoia financeiramente organizações ligadas à praxe, ou seja, a associação de estudantes. As restantes universidades e politécnicos garantem não colocar dinheiro na organização destas actividades.

Iniciativa legislativa

O BE submeteu, entretanto, um requerimento para que o ministro Manuel Heitor vá ao Parlamento analisar o retrato que estas respostas permitem fazer. Na audição vão também participar os elementos do gabinete do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior envolvidos na organização do programa alternativo à praxe, o Exarp, lançado no ano passado. A intenção é “fazer um balanço sério” dessa iniciativa, antecipa o deputado Luís Monteiro.

Face ao calendário parlamentar, a audição só deverá ocorrer no próximo mês. Nessa ocasião, o BE vai apresentar também uma iniciativa legislativa que permita dar às instituições de ensino superior “instrumentos para controlar a praxe” e, assim, “responsabilizá-las sobre esta matéria”, explica Monteiro.

A proposta está ainda a ser construída, pelo que o deputado bloquista não antecipa o tipo de ferramentas que passarão a estar à disposição de universidades e politécnicos.

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