Que fazer do Martim Moniz? É olhar para a Senhora da Saúde

Augusto Vasco Costa projectou os prédios da EPUL no Martim Moniz e diz que é "facílimo" resolver o problema da praça: basta dar à capela o destaque que merece.

Foto
A proposta que Augusto Vasco Costa desenhou em 2015 DR

No Verão de 1995, já decorridas algumas décadas de ideias, intenções, projectos, muitos avanços e outros tantos recuos, a câmara de Lisboa punha no título de uma exposição o que parecia ser um desespero suspirado: “Que fazer do Martim Moniz?” A malfadada praça continuava a ser uma dor de cabeça urbanística no coração da cidade e a construção de dois centros comerciais, na década anterior, parecia ser unanimemente encarada como o último dos disparates.

Na exposição apresentavam-se três cenários possíveis para uma futura intervenção. O arquitecto Augusto Vasco Costa foi vê-las e saiu de lá “perplexo e estupefacto”, como revelaria num artigo de opinião no PÚBLICO uns meses mais tarde.

A mesma estupefacção sente agora, volvidos 23 anos, ao olhar para a proposta da empresa concessionária da placa central da praça, que prevê um mercado construído com contentores. “Andamos nisto há mais de 40 anos e ainda não arranjámos uma solução?”, insurge-se Vasco Costa, que não compreende como é que um elemento tem estado quase sempre ausente da discussão sobre o Martim Moniz – a Capela de Nossa Senhora da Saúde.

Foto
O Martim Moniz actualmente, com a capela praticamente escondida Nuno Ferreira Santos

Para o arquitecto, este pequeno templo construído no século XVIII e protagonista da popularíssima procissão que todos os anos junta milhares de pessoas e, mais recentemente, até o Presidente da República, é o verdadeiro ex-líbris da praça, por muito que as voltas do mundo o tenham tornado praticamente invisível. “Importante era fazer o enquadramento da capela e isso é facílimo”, sustenta.

Em 1995, depois de sair da exposição, Augusto Vasco Costa passou alguns dias a projectar uma alternativa ao que tinha visto, enviou-a ao então autarca Jorge Sampaio e depois explicou-a no tal artigo no PÚBLICO. Mais tarde, em 2015, quando os edifícios que projectou para o empreendimento EPUL da praça estavam praticamente prontos, debruçou-se novamente sobre o espaço público e apresentou nova ideia.

Em ambas, explica agora, há o denominador comum de valorização da capela. “A solução para a praça do Martim Moniz,  se a queremos genuína, ímpar, não pode partir dos contentores, mas realçando esta capelinha centenária”, defende.

Foto
Vista área da proposta de Vasco Costa em 2015 DR

Na proposta de 2015, que mantém, sugere a criação de uma praça central com recurso aos quiosques actualmente existentes, que, em vez de estarem espalhados, seriam dispostos em redor de um largo no qual a capela se realçaria com “outra dignidade”. Presente está também a preocupação de atenuar o impacto visual muito marcante do Centro Comercial da Mouraria, que muitos já sugeriram implodir. Para Vasco Costa a implosão não é solução, pois trabalham ali dezenas de pessoas que seria preciso realojar ou podiam ficar desempregadas.

Para lá de uma reorganização dos quiosques, o arquitecto advoga pela existência de espaços verdes em ambos os topos – um mais denso junto ao Hotel Mundial e o outro, mantendo o lago em estrela, criando uma praça mais pequena a norte. Não só esta proposta destacaria a capela de outra forma e humanizava mais a praça como, argumenta, “era baratinha” e fácil de concretizar.

A ideia de 1995 era bem mais ambiciosa, também porque a situação da época era outra. O empreendimento da EPUL ainda não existia e o Hotel Mundial ainda não tinha sido ampliado, como veio a ser mais tarde. A visão era a mesma, as propostas mais arrojadas.

Foto
A proposta de 1995, que previa a criação de uma galeria em frente ao Centro Comercial da Mouraria e o desvio do trânsito por trás deste edifício DR

Vasco Costa recomendava então a divisão do Martim Moniz em três praças mais pequenas, não enquadradas por quiosques mas por prédios com três pisos, em que o térreo seria para comércio, o primeiro para escritórios e o superior para habitação.

Na sua óptica, isto permitiria atrair moradores, negócios, artesãos e, até, resolver um problema que, por estes dias, tem voltado à discussão: a insegurança. “A solução, como já muitos vêm alertando, passa pelas ‘unidades de vizinhança’, isto é, por um desenho urbano à escala das pessoas, onde todos se conhecem e a segurança primeira é feita pelos seus próprios moradores, 24 horas por dia, ‘olhos nos olhos’.”

Desviando o trânsito da frente do Centro Comercial da Mouraria para as suas traseiras, Costa criava uma galeria à parisiense para esconder o edifício e enquadrava o topo norte com dois imóveis. Do outro lado da praça, propunha que o Hotel Mundial tivesse uma fachada em meia laranja, completada por dois prédios mesmo em frente e assim originando uma praça redonda.

“Nós, lisboetas comuns, que moramos e trabalhamos em Lisboa, o que pretendemos, simplesmente, é ver o Martim Moniz, como outras zonas em ‘recuperação’, à escala da cidade, à nossa dimensão, para que seja um lugar onde todos nos sintamos bem, ‘onde apeteça viver, trabalhar e investir’”, argumentava então, aproveitando um slogan da época.

O que Augusto Vasco Costa defendeu em 1995 parece já quase impossível de concretizar, mas o arquitecto ainda tem esperança de que a proposta de 2015 seja considerada – ou pelo menos lance o debate. Que fazer do Martim Moniz? Este assunto não está fechado.

Sugerir correcção
Ler 3 comentários