Ele decidiu tomar conta da Terra d’Avó e começou a cultivá-la

Fábio Soares dedica-se à produção de microlegumes, germinados e flores comestíveis, em Ílhavo. Construiu a primeira estufa com as próprias mãos e, por esta altura, já fala em edificar uma quarta.

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Cresceu a ver a avó materna a cultivar a terra e garantiu-lhe que um dia seria ele a tratar do terreno. Na altura, por força da sua tenra idade, não o levaram a sério. Hoje, já ninguém duvida da determinação de Fábio Soares em levar avante essa promessa. Aos 29 anos, produz os microlegumes, germinados e flores comestíveis que abastecem as cozinhas de alguns dos melhores restaurantes e hotéis da região Centro. A partir da terra da sua avó materna, na Gafanha de Aquém, município de Ílhavo, Fábio Soares cultiva aquilo que já é uma marca e que nem podia ter outro nome: Terra d’Avó.

Mais do que um negócio, encara-o como um projecto pessoal, um sonho construído literalmente com as suas próprias mãos. “A minha primeira estufa foi feita por mim, com a ajuda do meu pai”, recorda. Fábio Soares tem mais duas e confessa estar já a congeminar uma quarta. Para trás teve de deixar o curso de Biologia na Universidade de Aveiro. Percebeu que entre o projecto Terra d’Avó, a universidade e o emprego em part-time como informático, “alguma coisa tinha de ficar para trás”, aponta. “Como precisava de dinheiro para continuar a investir, não podia deixar o emprego. Portanto, restou o curso”, conta, sem lamúrias - tanto mais porque não afasta a possibilidade de um dia regressar à universidade.

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Hoje, Fábio Soares é um verdadeiro especialista na arte de cultivo de germinados e microlegumes. Vive rodeado de pequenas cuvetes de onde brotam rebentos de mostarda frills, mostarda red giant, coentros, endro e borragem, entre outros germinados, bem como cenouras baby ou tomate cherry. Noutro recanto da estufa, quem dá nas vistas (e de que maneira) são as flores comestíveis, nomeadamente amores-perfeitos, begónias, flor de manjericão e capuchinhas. Fábio trata de todas elas com grande cuidado e “zero” químicos. “É agricultura 100% biológica”, garante o jovem ilhavense, acrescentando que “é preciso estar atento a todos os detalhes; à forma como se rega, à maneira como o substrato é colocado”.

Para contar a história do projecto Terra d’Avó é preciso recuar uns cinco anos, altura em que Fábio Soares alimentava uma “grande paixão por ervas aromáticas”. Foi com elas que se lançou na aventura de criar a sua própria produção e negócio. “As aromáticas são um mundo gigante mas em Portugal ainda usamos muito poucas”, nota.

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Decidiu apresentar o seu produto ao chef de um restaurante de Aveiro mas cedo percebeu que “não tinha escala para produzir grandes quantidades de aromáticas e competir com os preços que eram praticados por outros produtores”, recorda Fábio Soares. “O chef Armando Matos acabou por me desafiar a produzir germinados, pois os que ele comprava em grandes superfícies ficavam rapidamente estragados”, acrescenta, dando assim nota daquele que foi um momento decisivo para o seu projecto. “Comecei a produzir para ele, os subchefes que estavam com o Armando foram saindo para outros restaurantes e levaram o meu produto e a palavra foi passando”, prossegue o jovem produtor, que há muito ultrapassou as fronteiras da região. Porto, Viseu e Coimbra são algumas das regiões vizinhas para as quais envia, com regularidade, encomendas. Essencialmente para espaços de “alta cozinha e restaurantes de hotéis”, mas com a certeza de que a procura por estes produtos tem tendência para se alastrar, também, ao consumidor comum. “Os germinados, por exemplo, já começam a ser muito procurados porque são muito mais ricos em nutrientes do que em estado adulto”, argumenta.

Sonhos “desenhados” num pequeno caderno

Fábio Soares está confiante no crescimento do mercado e, por isso mesmo, não pára de fazer planos, de desenhar novos projectos no seu caderno de eleição. “É um objecto fundamental. É aqui que eu desenho os meus sonhos”, conta, a propósito da importância do objecto que anda sempre com ele, tal como o telemóvel – fundamental para “falar com os clientes” e “tirar fotos” aos seus produtos – e a chave da estufa. “Esta chave representa um objectivo alcançado, um marco em que muitos não acreditavam”, vinca.

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Em segundo plano tiveram de ficar outras paixões, como as viagens, porque o tempo agora é quase todo dedicado ao projecto Terra d’Avó. “Mas assim que puder, vou até ao Reino Unido, Estados Unidos da América e Espanha, onde estão muitas estufas que quero visitar”, revela. Entre os destinos de eleição está também a Ásia, fundamentalmente pela “variedade de plantas” que lá existem.

O seu desporto de eleição, o surf, também é agora uma actividade para a qual tem cada vez menos tempo. “Adoro o mar, amo surfar, mas como passo tanto tempo aqui é difícil. E o problema é que quando tenho tempo livre, o mar pode não estar bom para surfar”, desabafa. Herdou o jeito para as ondas de um tio paterno e só não sente mais pena por as suas estufas o obrigarem a deixar a prancha encostada à parede porque dentro delas é possível ouvir o mar. “Estão a ouvir? É assim em muitos dias”, repara, depois de desligar os ventiladores e submeter a estufa a um silêncio absoluto – da Gafanha de Aquém ao mar são pouco mais de seis quilómetros em linha recta. “É o que me vai valendo e inspirando: ouvir o mar enquanto estou a trabalhar”, remata.

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