Novo acordo permite ao fisco português investigar com Angola

Técnicos angolanos estão em Lisboa a ter formação no fisco, para implementar o IVA. As duas autoridades fiscais podem colaborar em investigações. Acordo permite ao fisco português fazer acções em Luanda.

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João Lourenço promete não recuar no combate à corrupção, Costa promete toda a cooperação Nelson Garrido

As autoridades tributárias de Portugal e de Angola já têm nas mãos as ferramentas necessárias para colaborarem nas investigações fiscais dos dois países. Esse passo, iniciado em Setembro entre os Governos e agora à espera que os Parlamentos dos dois países o aprovem, pode ser crucial para a “caça” às fortunas que o Presidente de Angola, João Lourenço, definiu como prioridade.

As duas autoridades tributárias vão poder fazer inspecções simultâneas a contribuintes se um dos países pedir ajuda, partilhar informação e acolher inspectores para estes fazerem controlos fiscais.

Era um passo impensável há poucos anos, mas é agora possível à luz do acordo de assistência administrativa na área fiscal assinado entre Portugal e Angola durante a visita de António Costa a Luanda em Setembro. Só falta os Parlamentos aprovarem o documento para entrar em vigor.

O PÚBLICO não conseguiu confirmar se Angola já fez diligências informais iguais às que o acordo prevê. Mas há sinais de aproximação noutras frentes. Há duas áreas onde a máquina fiscal angolana já tem a cooperação portuguesa: na implementação do IVA e na formação de quadros do fisco.

O topo da hierarquia das duas autoridades, sabe o PÚBLICO, está em contacto e dentro de dias representantes ao mais alto nível da Administração Geral Tributária angolana (AGT) deverão reunir-se em Lisboa com a directora-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), Helena Borges.

Neste momento, a AT está a acolher um grupo de funcionários do fisco angolano que vão ficar em Lisboa durante algumas semanas para receberem formação. Os técnicos foram distribuídos pela Direcção de Finanças de Lisboa e por serviços centrais, para receberem formação prática e acompanhar o trabalho dos técnicos portugueses.

Nada indica que a presença esteja ligada à cooperação que será possível fazer com o novo acordo de assistência mútua. Mas, quanto a isso, o Ministério das Finanças português afirma que tanto as autoridades portuguesas como as angolanas estão comprometidas com os objectivos do acordo de 18 de Setembro.

Cooperação judiciária

Em traços gerais, o documento segue as linhas que a Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económica (OCDE) definiu para as máquinas fiscais poderem colaborar entre si. É um caminho que o advogado especialista em direito fiscal Nuno Sampayo Ribeiro antecipava há anos, mas que, recorda, “era tido como impensável para a maioria” dos agentes económicos ainda há poucos anos. “Mais do que abrir a porta, o acordo [ao seguir as orientações da OCDE e da União Europeia] estendeu a passadeira à colaboração fiscal recíproca entre Portugal e Angola ao instituir e regular os controlos fiscais simultâneos, os controlos fiscais no estrangeiro, além de outras formas, como a assistência na cobrança de créditos tributários”, afirma.

O texto prevê que a cooperação fiscal também aconteça nas diligências determinadas por órgãos judiciais. Isso significa que o fisco português poderá fazer controlos para Angola quando for chamado pelo Ministério Público. Também por causa deste detalhe o acordo ganha importância nesta altura, em que Angola pode pedir a cooperação judiciária para investigar quem colocou capitais fora do país de forma ilícita.

Ainda há duas semanas, num momento de tensão com o antecessor José Eduardo dos Santos, João Lourenço garantia em Portugal que não irá recuar no combate à corrupção; e há dois dias, Luanda apresentava o “Plano Estratégico de Prevenção e Combate à Corrupção”.

Com o novo acordo, a AGT angolana pode pedir que o fisco português faça um controlo à “situação tributária de uma ou mais pessoas” nas quais os dois países “tenham um interesse comum ou complementar”. A AT decide se faz sentido colaborar, avança com a investigação em simultâneo e passa a informação. E o mesmo acontece em Angola se a AT pedir a colaboração da AGT.

Questionado, o Ministério das Finanças português não especificou se já há trabalho de campo feito com a AGT para definir os casos em que haverá acções de controlo conjunto, nem se as duas autoridades já têm colaborado a esse nível ao longo do último ano, em que o “irritante” acabou suavizado. O gabinete do ministro Mário Centeno limitou-se a uma declaração de compromisso: “Os instrumentos de cooperação em matéria fiscal assinados entre o Estado Português e o Estado Angolano encontram-se em processo de ratificação, estando as autoridades dos dois países comprometidas com a realização das acções e dos objectivos aí definidos”.

É uma declaração na linha do que o primeiro-ministro, António Costa, disse no Porto durante a visita de João Lourenço, a quem prometeu “toda a colaboração e cooperação judiciária, policial e fiscal” para o país avançar no combate à corrupção.

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