Código de Ética do PS prevê renúncia de deputados, no PSD é só para autarcas

Carlos César desafiou PSD a expulsar deputados com “comportamentos fraudulentos” e promete fazer o mesmo na sua bancada. Fernando Negrão diz que confirmou com os deputados que não haverá mais casos, aceitou renúncia aos cargos de Maria das Mercês Borges e deixou à sua consideração a saída da AR.

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Carlos César foi um dos deputados que requereram reembolso de viagens, por via do subsídio social de mobilidade, que a Assembleia da República já lhes pagava, com 500 euros por semana Daniel Rocha

No Verão de 2015, todos os candidatos a deputados pelo PS tiveram que assinar um Código de Ética de nove pontos em que, entre outros compromissos, os obrigava a assumir a completa disponibilidade para renunciarem à candidatura ou ao mandato de deputado se, “por factor relevante, se considerar comprometida a sua idoneidade ética ou política”. Outras imposições eram por exemplo, revelar todas as actividades que tinham desenvolvido nos últimos cinco anos, garantir que não tinham dívidas ao Estado, que não fariam lobbying e que cumpririam o mandato até ao fim.

No PSD não há um código de ética como o do PS para deputados. Pedro Passos Coelho apenas impôs a subscrição de algo semelhante aos candidatos a autarcas, nas eleições do ano passado, mas sem falar em sanções. A Carta 7.17 incluía sete compromissos, um deles com a transparência como “garantia do bom governo” e em que os autarcas garantiam agir “no respeito pela lei, pela ética e pela moral nos assuntos públicos”.

O documento socialista foi elaborado pela direcção de António Costa e a equipa que o fez está agora toda no Parlamento como deputados: Jorge Lacão é vice-presidente da Assembleia da República, Pedro Delgado Alves é vice-presidente da bancada do PS, Vitalino Canas e José Magalhães são deputados. Terá sido sob o respaldo deste compromisso que Carlos César, apesar de ter o seu nome ligado à polémica com os reembolsos de viagens entre Lisboa e os Açores para as quais já recebe, como os restantes deputados insulares, 500 euros por semana, se abalançou a deixar o desafio a Fernando Negrão para uma atitude punitiva com os deputados do PSD envolvidos na marcação de falsas presenças no plenário.

As duas frases de César foram cortantes: “Nos casos em que os deputados têm comportamentos fraudulentos, que felizmente são poucos, eu acho que não pode deixar de haver alguma atitude sancionatória. Se se colocasse no nosso caso alguma das situações de que eu tenho ouvido falar, acho que essas pessoas não tinham o direito de permanecer no âmbito do grupo parlamentar do PS.” E dizendo isto, voltou costas aos jornalistas.

Antes tinha sentido necessidade de separar o trigo do joio, ou seja, o caso dos subsídios das viagens (em cujo uso não foram apuradas “ilegalidades” pelos serviços do Parlamento) do das presenças-fantasma de deputados. Ora, foi nesse fio solto que Fernando Negrão pegou para desfazer um novelo de críticas duas horas depois. "O que o PSD tem a dizer ao deputado Carlos César é que ele não tem qualquer legitimidade para se pronunciar sobre estes casos." E porquê? "Todos sabemos que o líder parlamentar do PS tem um problema ainda não esclarecido no que diz respeito ao reembolso das [suas] viagens" para os Açores.

O ataque estava feito e César haveria de replicar que a declaração foi “indelicada” e “grave”. Mas César, que estava no Palácio de Belém, deixou um aviso para o seu partido, ou mais exactamente para a deputada Elza Pais – que foi eleita pelo distrito de Lisboa, vive a 500 metros do Parlamento, mas indicou como residência a casa da mãe, em Mangualde, recebendo, por isso, ajudas de deslocação. A antiga secretária de Estado estará entre os casos em investigação pelo Ministério Público. César não vacilou, considerando a “gravidade dos comportamentos de deputados que declarem indevidamente moradas para a obtenção de benefícios” e que devem ser sancionados: “Em todos os casos onde essas matérias sejam dadas como provadas, nós não deixaremos de tomar uma posição de firmeza que foi a que eu anunciei esta manhã.” E insistiu: “Essas pessoas não teriam lugar na bancada do PS.”

Fernando Negrão tem-se afirmado desde o início das polémicas de mãos atadas, argumentando que a direcção da bancada não tem poder sancionatório, mas nesta quinta-feira já admitia como certo o recurso ao conselho de jurisdição nacional do PSD, dizendo mesmo que isso estaria dependente da investigação em curso, pelo Ministério Público, ao caso da marcação da presença de José Silvano.

A gota de água, depois do caso de José Silvano mas também de José Matos Rosa e Duarte Marques, poderá ter sido o da deputada Maria das Mercês Borges ter admitido que pode ter votado no Orçamento do Estado na generalidade por Feliciano Barreiras Duarte e até afirmar que esse gesto é comum entre os deputados – seja do PSD como de outros partidos. Nesta quinta-feira a deputada renunciou a todos os cargos de coordenadora que ocupa e até da presidência da comissão de inquérito às rendas da energia. Negrão considerou que a deputada teve um “comportamento menos adequado” mas não quis pronunciar-se sobre se devia deixar o lugar na AR. Questionado pelo PÚBLICO, Negrão disse confiar que não haverá mais casos destes porque sondou os deputados, mas realçou não poder “dar garantias a 100%”.

Por seu lado, Assunção Cristas e Catarina Martins não quiseram pronunciar-se sobre os casos polémicos. A primeira garantiu que o CDS “cuida” para que não existam na sua bancada e a segunda defendeu a necessidade da criação de uma entidade para a transparência, como o Bloco propôs – mas esta não inclui a fiscalização do Estatuto dos Deputados. com Leonete Botelho

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