O "Brexit" falhou, Macron também. Elabore

O "Brexit" e Macron simbolizaram as duas grandes alternativas para a Europa uma década depois da Grande Recessão. É relevante que tenham falhado ao mesmo tempo.

Esta foi uma das semanas mais importantes da política europeia pós-crise da zona euro. Ainda não nos damos completamente conta disso, mas vou arriscar-me e fazer um diagnóstico: esta foi a semana em que o "Brexit" falhou e Macron também.

Reparem que eu disse “um diagnóstico” e não “uma previsão”. É perfeitamente possível — aliás, provável — que o "Brexit" ainda vá para a frente e o Reino Unido chegue a sair da União Europeia de alguma forma. É também possível que Macron se refaça e cumpra com o resto do seu mandato, e até — embora talvez menos provável — que ganhe outro mandato. Nesse sentido, nem um nem outro terão “falhado”. Mas falharam no sentido mais essencial em que o núcleo central das suas plataformas políticas colapsou. E isso não volta atrás.

O "Brexit" e Macron simbolizaram as duas grandes alternativas para a Europa uma década depois da Grande Recessão. Vamos ver como falharam e porque foi relevante que tenham falhado ao mesmo tempo.

De um lado, o "Brexit" representava a estratégia do dominó: partir da União Europeia para partir com a União Europeia. Embora imbuído de toda a espécie de pseudo-excecionalismo britânico, o seu argumentário era enfático e poderia ser persuasivo para todos os europeus e não só para os britânicos: a UE, emblematizada por Bruxelas, era constituída por uma elite distante e arrogante que dirigia um barco desgovernado e destinado a afundar. Quanto mais cedo sairmos, melhor! Aliás, ao sair, seremos apenas os primeiros! A seguir virão todos os outros e a UE cairá por si mesma.

O problema é que tudo isto era treta. Viu-se logo no início que, ao invés de inspirar os outros, o "Brexit" se tornou no símbolo da falta de vontade que os povos da Europa têm de sair da União Europeia. Para os eurofóbicos que tiveram um espasmo ao ler isto, há um remédio simples: olhem para as sondagens. Cerca de 90% de polacos e húngaros (polacos e húngaros, note-se) querem ficar na UE.

O primeiro-ministro dinamarquês disse recentemente que nunca haverá um “Dinamexit”: antes do "Brexit" ninguém arriscaria dizê-lo. E mesmo para os britânicos o "Brexit" parece-se cada vez mais com a birra do adolescente que sai de casa para se arrepender na primeira noite fora e se surpreender ao perceber que as complexidades do mundo moderno são mais ou menos sempre as mesmas: é preciso pagar caução para arrendar casa, andar sem seguro no carro é potencialmente ruinoso, etc.

Chato, desagradável, burocrático mas “nenhum homem é uma ilha”, como dizia há 400 anos o poeta inglês John Donne. Até pode vir a haver alguma forma de "Brexit", o que não vai haver é nenhuma espécie de sentido para o "Brexit".

E Macron? Como falhou, e o que falhou em Macron? Falhou naquilo que falha em todos os Presidentes franceses: a ideia de que é preciso reformar a França para depois liderar a Europa. Nem uma nem outra são verdadeiras.

É verdade que a primeira foi-lhes metida na cabeça pelos alemães, que sabendo que a França é irreformável por si mesma, podem sempre usar dessa fasquia inatingível para adiar as reformas de que a União Europeia precisa (como quem diz: aceito pagar o jantar se me encontrares uma galinha com dentes). Mas a segunda é igualmente falsa: a França não tem de liderar a Europa e não deve almejar a fazê-lo. Liderar a Europa não deve ser papel de nenhum país em particular.

Também aqui a França e os políticos franceses têm de superar a adolescência. Por muitos trabalhos de casa que se proponham (e falhem) a fazer, por muita vontade que tenham de dirigir a associação de estudantes, a União Europeia é um pouco como a universidade: o resto da turma também tem colegas igualmente espertos e cheios de história e personalidade.

O primeiro Presidente francês a ter sucesso será aquele que, em vez de dizer “vamos reformar o país para depois mostrar aos alemães que podemos mandar na Europa”, admita perante os seus compatriotas que é preciso ser um país como os outros e que a reforma de que a França precisa, e os outros precisam também, é que se faça a Europa.

Ora, no “fazer da Europa” de Macron estava acima de tudo implícita a estratégia clássica: fazer a Europa era fazer cimeiras (franco-alemãs primeiro; da turma toda depois), era pôr os governos de acordo (ahah), era o Conselho pôr e a Comissão dispor. Isto tem um nome em bruxelês: intergovernamentalismo. Os governos gostam da ideia, mas não funciona.

A única ideia democrática-europeia que Macron teve — as listas transnacionais — foi morta pelo PPE no Parlamento Europeu, onde políticos como Paulo Rangel fizeram o seu melhor para evitar que os eleitores viessem a perceber que um voto no PSD é um voto no partido de que Orbán faz parte e no candidato a presidente da comissão que mais favores fez a Orbán no Parlamento Europeu.

E assim, depois de muitas voltas, vamos para as próximas eleições europeias da mesma forma que estávamos antes. O grande projeto de dar cabo da UE falhou; o grande projeto de a liderar também. A alternativa anglicana falhou; a alternativa gaulesa falhou; a alternativa germânica não existe.

Ainda bem. Apesar dos riscos — não faltarão oportunistas e charlatães nos próximos meses e anos — pode ser que se crie espaço para que se perceba de uma vez por todas que, uma vez que a UE não vai colapsar e não há outras peças do dominó com vontade de sair, o que é preciso fazer é a Europa dos cidadãos.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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