Finlândia lança IRS a reformados em Portugal já em Janeiro

Portugal tem na gaveta acordo assinado há dois anos. Helsínquia esperou até 1 de Dezembro, mas perante a demora vai mesmo rasgar as regras em vigor. Em Janeiro começa a reter IRS aos pensionistas isentos cá e lá.

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Juha Sipilä espera que novo acordo avance, mas reconhece não estar preocupado Miguel Manso

Helsínquia aguardou por um sinal de Lisboa até 1 de Dezembro, mas ele não chegou e o desfecho que se antecipava tornou-se irreversível — a Finlândia vai mesmo rasgar unilateralmente o acordo fiscal que assinou com Portugal há 48 anos, deixando de aplicar essa convenção já a partir de 1 de Janeiro.

Embora os dois países já tenham assinado um novo texto em 2016, Portugal continua ao fim de dois anos sem ratificar o novo documento e, como a Finlândia decidiu deixar cair o acordo em vigor, haverá um vazio nas regras criadas entre os dois países para mediar as situações em que a tributação de cada um colide.

São duas as consequências imediatas. Já a partir de Janeiro, o fisco finlandês vai começar a tributar, através das retenções na fonte de IRS, os cerca de 500 pensionistas finlandeses que vivem em Portugal e que, ao abrigo do regime dos residentes não-habituais, estão hoje isentos de IRS cá e lá. Mas também empresas ou contribuintes singulares com actividade nos dois países correm o risco de ser tributados duas vezes.

É uma decisão sem precedentes que o Governo de António Costa não conseguiu (ou não quis) evitar, ao manter a nova convenção da gaveta. Esse é um detalhe diplomático que continua por clarificar, mesmo depois de o primeiro-ministro finlandês, Juha Sipilä, ter estado em Lisboa ao lado de António Costa em Outubro, e mesmo sabendo-se que o Governo está a ser pressionado para mexer em mais acordos fiscais (com a Suécia) e até já admitiu rever algumas regras do regime dos residentes não-habituais.

Um ponto é certo: o fim da convenção é um passo inédito dado pela Finlândia, porque o Estado português é o primeiro com quem Helsínquia rompe uma convenção fiscal, garantiu uma fonte do Ministério das Finanças finlandês. Em Lisboa, o gabinete do ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, não respondeu às perguntas do PÚBLICO sobre o desfecho que se avizinha.

Um mês vs. dois anos

O dossier tem dois anos e a forma como cada país lidou com ele é distinta. Foi a Finlândia, alinhada com a Suécia, que puxou Portugal para a mesa das negociações. Na origem do descontentamento do Governo de coligação de Juha Sipilä (centro-direita) está o facto de os pensionistas finlandeses a viver em Portugal conseguirem não pagar qualquer IRS nos dois países (por causa das regras dos residentes não-habituais e da compatibilização destas com a convenção actual).

Foi para pôr cobro à dupla isenção que os dois países acabaram por celebrar um novo acordo fiscal em Bruxelas a 7 de Novembro de 2016, para substituir a convenção celebrada em 1970 e em vigor desde 1971. Mas se Helsínquia ratificou o texto logo em Dezembro de 2016, o executivo de António Costa tarda em fazê-lo.

O impasse foi visto a Norte como um atraso sem explicação e, este ano, o executivo de Sipilä decidiu fazer aprovar no Parlamento o fim da actual convenção (a que está em vigor, não a que foi negociada em 2016).

Durante algum tempo ainda esperou que Lisboa avançasse com o processo de ratificação e fez saber ao PÚBLICO que o fim da convenção ainda poderia ser evitado se Lisboa agisse até 1 de Dezembro deste ano. Mas nada terá acontecido do lado português e, perante a passividade, Helsínquia garante agora que vai mesmo seguir em frente e deixar de aplicar aquelas regras. O novo acordo não está em risco, mas até lá não há um documento comum.

Para os pensionistas finlandeses, o resultado prático é semelhante ao que aconteceria com a nova convenção — porque também aí a Finlândia ganha margem para aplicar IRS a esses cidadãos —, mas o sinal político e diplomático de deixar cair uma convenção é singular. E durante o período do vazio, as consequências extravasam a questão dos pensionistas, abrindo a porta a casos de duplas tributações, precisamente as fricções a que as convenções pretendem pôr cobro.

O gabinete de imprensa do Ministério das Finanças da Finlândia confirmou ao PÚBLICO na última terça-feira que o Governo “não recebeu informação sobre a ratificação do novo acordo assinado em 2016” e que “não será mais aplicado a partir do final deste ano”.

Finlândia e Angola

Se no final de Agosto o Ministério dos Negócios Estrangeiros garantia que o processo estava “em curso”, não se sabe – porque o Governo não diz – qual é o horizonte em que prevê fechar o dossier, isto é, enviar uma resolução à Assembleia da República para o texto ser aprovado e poder entrar em vigor.

A decisão contrasta com a prioridade dada a outra convenção fiscal há muito esperada, a celebrada com Angola. Nesse caso, o texto foi assinado a 18 de Setembro deste ano (quando Costa visitou Luanda) e em apenas dois meses houve desenvolvimentos: a 15 de Novembro, dias antes da visita do Presidente angolano a Portugal, o Conselho de Ministros dava luz verde à convenção, para ser aprovada no Parlamento (é o passo que falta).

Nada disso aconteceu em relação à Finlândia. Em Lisboa, onde Costa recebeu Juha Sipilä a 2 de Outubro com promessas de parceria económica, não se ouviu uma palavra de descontentamento. Do lado finlandês, o “irritante” era conhecido. Mas o próprio primeiro-ministro finlandês assumiu em entrevista ao PÚBLICO quando esteve em Portugal: “Tenho a expectativa de que seja confirmado mas também entendo que seja uma questão de política interna. Não estou preocupado.”

Uma fonte do Ministério das Finanças finlandês garante que o primeiro objectivo nunca foi chegar a uma situação de vazio – isto é, não estar de pé qualquer instrumento, como vai acontecer a 1 de Janeiro – e continua a “encorajar” Portugal para que o novo documento seja “aplicado tão rápido quanto possível”.

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