Prestaram um mau serviço, senhores deputados…

Queremos mesmo que os senhores deputados comecem a decidir matérias no campo da saúde só com base naquilo que são as suas posições ideológicas de princípio?

Ainda a propósito da recente polémica sobre a inclusão de algumas novas vacinas no Plano Nacional de Vacinação, fico estupefacta com a irresponsabilidade de alguns comentadores que sugerem que a reacção de amplos sectores da comunidade médica, entre os quais se incluem os responsáveis políticos da Direcção-Geral da Saúde, é fruto apenas de algum tipo de sentimento de ultraje de natureza corporativa. O grande erro que cometem é misturar dois assuntos que não beneficia ninguém serem misturados, e ao fazê-lo acabam por prestar um serviço tão mau como aquele que os deputados prestaram ao envolverem-se num processo de tomada de decisão política dissociado da evidência científica. Passo a explicar.

O princípio da cobertura universal de cuidados de saúde, incluindo os de índole preventiva, deve ser um princípio estruturante da acção política. Quer isto dizer que, sempre que os senhores deputados decidem sobre qualquer matéria no campo da saúde devem ter em conta que ninguém deve ficar excluído do acesso a medicamentos ou tratamentos por razões de natureza financeira. A isto chamamos acesso universal e equidade na saúde. No caso concreto das vacinas, isto significa que se existe um evidente benefício na toma de uma dada vacina, essa deve ser incluída no Plano Nacional de Vacinação.

Coisa bem diferente é a produção de conhecimento que suporte a evidência de um benefício. Queremos mesmo que os senhores deputados comecem a decidir matérias no campo da saúde só com base naquilo que são as suas posições ideológicas de princípio? Eu, da minha parte, seguramente que não quero. Não quero porque não lhes reconheço autoridade e capacidade para tanto. O que quero é que os senhores deputados se munam dos contributos daquilo que melhor se faz no campo da investigação científica, ouvindo aqueles que dedicam a sua vida ao estudo científico das mais diferentes matérias e, com base nas conclusões que têm para oferecer, e aí sim sempre tendo presente o princípio da cobertura universal dos cuidados de saúde, decidam.

A ironia no meio disto tudo é que, provavelmente, e para as vacinas em causa, não teria sido nada difícil reunir pareceres técnicos favoráveis ao alargamento da vacinação. A vacinação é uma luta antiga da classe médica e dos profissionais da saúde pública, e muito provavelmente a balança pesaria para o lado dos benefícios das vacinas. Mas o que os senhores deputados objectivamente fizeram foi passar a mensagem de que não interessa nada o que a ciência indica ser o caminho onde os benefícios ultrapassam os riscos. Os deputados sabem mais e melhor. No campo concreto da vacinação, e num tempo onde se repetem as consequências negativas da decisão de não adesão à vacinação por parte de algumas pessoas, o comportamento dos senhores deputados vem dar mais força a todos aqueles que procuram rejeitar a evidência científica de uma ciência médica em quem não confiam para justificar a decisão de não vacinar um filho. É que se os senhores deputados não precisam de ouvir a comunidade científica, provavelmente é porque nela não confiam ou nela não reconhecem valor. Porque haveria eu, enquanto cidadão, de pensar diferente?

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