Tiago Bettencourt: “A minha carreira tem mais a ver com as canções”

O cantor e compositor apresenta o seu sexto disco, A Procura, no meio da plateia do Coliseu de Lisboa. Esta quinta-feira, às 21h30.

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Tiago Bettencourt DR

Quase um ano após o lançamento do seu mais recente disco de estúdio, A Procura, Tiago Bettencourt vai apresentá-lo ao vivo num formato que baptizou de 360º: actuará no centro da plateia, com o público em redor. Será no Coliseu de Lisboa, esta quinta-feira, às 21h30, depois de já ter estreado o disco no Coliseu do Porto. Na verdade, tirou partido de uma inevitabilidade: como estamos no mês do Natal e é tempo de circo, quem ali actuar tem de sujeitar-se à disposição circular da sala. E o 360º ajusta-se.

Já não é a primeira vez que experimenta o formato. A primeira foi a 15 de Março de 2013, já depois de lançar o álbum Acústico, e teve Samuel Úria por convidado. “Eram 300 ou 400 pessoas à nossa volta, tudo dentro do palco, e nós tocámos de costas para a plateia, vazia.” Mas, experimentado este formato, acabou por fazer outro concerto “no Coliseu grande”.

Este 360º, embora partindo do novo disco, revisitará outras canções marcantes da carreira do cantor e compositor. “Um concerto no Coliseu é sempre uma celebração”, diz Tiago ao PÚBLICO. “Por isso vou cantar algumas músicas deste disco, outras antigas, e quero também fazer ali um momento com experiências deste ano, algumas que publiquei no Facebook. Vou fazer coisas que normalmente não faço nos concertos, também por causa da disposição da sala. Vou levar um coro, que é uma coisa que eu adorava levar sempre, são todos amigos meus, trabalhadores e pais de filhos, três vozes femininas e duas masculinas. Sempre tive uma predilecção por aqueles coros do Tom Jobim, uma coisa assim meio familiar.”

Chegar ao disco devagar

Tiago Bettencourt já soma seis discos: O Jardim (2007), Em Fuga (2010), Tiago Na Toca & Os Poetas (2011), Acústico (2012), Do Princípio (2014) e A Procura (2017). E se o anterior deixou no ar canções muito ouvidas, como Morena, o actual já tem quatro singles, com audiências crescentes: Se me deixasses ser, Partimos a pedra, Diz sim e Dragão. “O outro tinha canções mais imediatas, mas este tenho a impressão de que não é um álbum de singles. Nós decidimos lançá-los, mas isso não quer dizer que sejam muito radiofónicos.” A verdade é que uma canção como Diz sim, que Tiago achou “que tinha passado bastante despercebida” (apesar de haver, nela, o único dueto do álbum, com a cantora brasileira Vanessa da Mata), já está em terceiro lugar na lista de audições deste disco no Spotify.

Tal como sugere o título, A Procura poderá demorar a entranhar-se no público. “Tenho noção de que é um disco que vai chegar às pessoas muito devagar. Um bocado como o primeiro disco que eu lancei depois dos Toranja, O Jardim. Só passados seis, sete anos, é que as pessoas começaram a descobri-lo. É um álbum a que se pode voltar, tem muito para descobrir, porque as músicas são muito densas, não têm aquele formato canção.”

Aliás, diz Tiago, os discos vão sendo cada vez menos relevantes na sua relação com o público. “Tenho a sensação de que a minha carreira já não tem muito a ver com discos, tem mais a ver com as canções, que as pessoas vão descobrindo. Vamos lançando discos e vamos deixando mais repertório. E as pessoas chegam lá quando querem.”

Deste A Procura, Tiago Bettencourt diz que gosta muito de Se me deixasses ser. “Acho que é uma boa canção, dá um prazer gigante cantar e tocar, e em formato de single. É uma canção que pode passar muito na rádio mas que nunca vai deixar de ser o que é.” Outra que ele destaca é Amar alguém. “Também dá muito prazer cantar, baixinho, num auditório. Este álbum não dá para cantar muito em palcos maiores, como o dos festivais de Verão.”

Da troika aos refugiados

No disco Do Princípio havia um tema muito ligado à situação política e económica da época, tempos da troika e da crise: Aquilo que eu não fiz. Neste, há Fogo no jardim, que abre com uma citação (áudio) extraída de uma entrevista de Agostinho da Silva: “Tolerar é diferente de aceitar; aceitar é tomar para si, a palavra vem da mesma palavra que captar, aceitar é captar para si. E tolerar não. Tolerar é dar licença, com desprezo que o outro seja assim.” E ao longo da canção ouvem-se vozes, situações, o Iraque, a Síria, os refugiados, George W. Bush, Obama, o Papa Francisco, Guterres: “O meu sonho, com essa música, seria que os samples fossem mudando ao longo do tempo. Porque a música em si fala de consciência e esses samples foram muito centrados nos refugiados. Mas se os tirássemos e puséssemos outros, as palavras ganhavam outro sentido, outros significados.”

Na verdade, aquilo de que fala a canção acabou por se adaptar ao drama dos refugiados. “A guerra na Síria estava numa fase muito violenta e daí a frase ‘deserto sem perdão/ há fogo no jardim.’ Na minha cabeça, o jardim seria a Europa. Mas pensei em muitas coisas ao mesmo tempo, depois houve a eleição do Trump, a música demorou algum tempo a escrever.” A citação de Agostinho da Silva e os samples vieram depois. “Como este tema tem uma vertente mais electrónica, achei que devia pôr samples, mas poucos. Depois comecei a viajar no YouTube e fiz ali uma espécie de história que me deu muito prazer.” Um exemplo: “Quando se ouve o Obama, é um discurso incrível que ele fez em Hiroxima. E que não tem nada a ver com os refugiados.”

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