Nesta roda da sorte do presente, o futuro está em jogo

Verdade ou Consequência, a mais recente criação de Gonçalo Amorim para o Teatro Experimental do Porto, coloca o público no centro da acção para pensar as migrações, as alterações climáticas ou as relações laborais. A peça estreia-se esta quinta-feira no Teatro Nacional São João, no Porto.

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NELSON GARRIDO
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O século XXI ainda vai no início, mas, em menos de duas décadas, o mundo sofreu transformações tecnológicas, políticas e sociais que se impõem a um ritmo avassalador. Os avanços na medicina e na ciência, a evolução da computação e da Internet e o crescimento do trabalho independente são alguns dos factores que vieram revolucionar a dinâmica social. O progresso nunca foi tão rápido, mas são várias as questões que se levantam sobre o impacto do presente no futuro da Humanidade.

As migrações populacionais, as alterações climáticas, o esgotamento de recursos e a precarização das relações laborais são tema de reflexão em Verdade ou Consequência, encenação de Gonçalo Amorim para o Teatro Experimental do Porto (TEP) que se estreia esta quinta-feira no Teatro Nacional São João (TNSJ), no Porto. “Há anos que andamos a ler e a pesquisar sobre estas questões, porque estas são as questões de todos os espectáculos que temos feito”, conta o encenador.

Depois de trabalhar as “juventudes inquietas” dos últimos 50 anos do século XX em Portugal na Trilogia da Juventude, Gonçalo Amorim volta-se agora para o presente e para o futuro naquele a que chama o “epílogo da trilogia”. “É um espaço em aberto, uma obra nova que fala das questões do nosso tempo que vão influenciar o futuro”, explica.

O espectáculo constrói-se a partir da ideia do “século XXI como o século do espectador”, com o modelo convencional a dar lugar a um sistema em que o palco se torna plateia. Mal entra na sala, o público é convidado a sentar-se numa estrutura que ocupa o centro do cenário, já que a trama vai passar-se a toda a volta. “É uma provocação amável que convoca o espectador para o centro da acção”, afirma Gonçalo Amorim.

Mas o dispositivo cénico reflecte também o século XXI como o “século do consumidor”, nota Marta Bernardes, actriz e autora, a par de Rui Pina Coelho, dos textos presentes na peça. “Há uma perversão nisso, porque a partir do momento em que és tratado como cliente especial, imediatamente és a mercadoria”, problematiza.

Uma reflexão feita de imagens

O próprio formato do espectáculo, que se assemelha a um concurso televisivo, incita à interactividade entre público e actores. “Há uma roda da sorte que activa cada uma das cenas e imagens que vamos vendo”, segundo o encenador. Ao longo de 1h20, sucedem-se 12 momentos que representam questões fracturantes do século XXI. Há um bloco de gelo a derreter em cima de um escadote, garrafas de plástico que brotam da terra e a correria desenfreada de quem leva a casa às costas em busca de uma vida melhor.

Criar Verdade ou Consequência envolveu muita pesquisa e discussão de autores como Karl Marx, Agostinho da Silva, Henry David Thoreau ou Buckminster Fuller. Mas, ao contrário de outras encenações do TEP, “este não é um espectáculo de palavra em que o resto das componentes serve o texto”. Aqui, ele é reduzido e faz-se de 12 frases-manifesto em voz off que acompanham as 12 cenas e do texto dito que surge no final a questionar as repercussões da quarta revolução industrial.

O pensamento foi uma componente fundamental no processo de criação do espectáculo. “Não foi preciso trazer muitos documentos”, revela Gonçalo Amorim, acrescentando que o debate foi a base da “comunidade lúdica” que se criou em palco. “Houve muitas ideias, muita filosofia e discussão destas questões”, reconhece.

O frutífero debate deixou “mil outros espectáculos sobre a mesa”, diz Marta Bernardes. A criadora reitera que em Verdade ou Consequência “não há respostas redondas, mas muito trabalho para afinar as perguntas”. A peça fica em cena até 16 de Dezembro e pode ser vista à quarta e ao sábado às 19h, quinta e sexta às 21h e domingo às 16h.

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