Pobreza em Portugal: algumas lições

Portugal regista a menor taxa de pobreza desde que o INE calcula este indicador, mas a pobreza continua a ser uma dura realidade para muitos portugueses.

A publicação pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) dos principais indicadores de desigualdade, pobreza e exclusão social permite uma leitura atualizada sobre a evolução das condições de vida da população e a identificação dos principais fatores de vulnerabilidade social no nosso país. Os novos dados agora publicados foram obtidos a partir do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento realizado em 2018 e que incidiu sobre os rendimentos auferidos pelas famílias em 2017.

A leitura cruzada destes indicadores apresenta resultados muito positivos nalgumas das principais dimensões da pobreza, mas mantem fatores de preocupação quanto à nossa realidade social.

A incidência da pobreza atingiu, em 2017, 17,3% da população total, o valor mais baixo desta taxa desde que o INE a começou a publicar anualmente em 1995, e um ponto percentual (p.p.) abaixo do seu valor em 2016 (18,3%). Assim, mais de cem mil portugueses abandonaram a situação de pobreza no último ano, mesmo tendo a linha de pobreza subido cerca de 3%.

A linha de pobreza (o nível de rendimento abaixo do qual a população é definida como pobre, calculada anualmente a partir dos dados) foi, em 2017, de 468 euros/mês para um indivíduo que viva sozinho e de 982 euros/mês para um casal com duas crianças dependentes.

A proporção de crianças e jovens em situação de pobreza diminuiu de forma ainda mais significativa, reduzindo-se a sua taxa de incidência de pobreza de 20,7% para 18,9%, uma descida de 1,8 pontos percentuais (p.p.).

Mas este não é o único indicador de uma mudança expressiva na situação de precariedade social de muitas das crianças do nosso país. A taxa de pobreza das famílias monoparentais e das famílias alargadas com três e mais crianças, dois dos grupos sociais mais vulneráveis à situação de pobreza, diminuiu em 4,9 p.p. e 9,8 p.p., respetivamente. Esta evolução registada em 2017 não evita, no entanto, que estes dois grupos continuem a ter das mais altas taxas de incidência da pobreza em 2017 (28,2% e 31,6%).

A evolução positiva dos índices já analisados ganha uma robustez e credibilidade acrescidas quando completada com a análise de indicadores de outras dimensões da pobreza: a intensidade da pobreza (que avalia quão pobres são os pobres) desceu de 27% para 24,5%; a taxa de privação material severa baixou de 6,9% para 6%; a proporção de famílias com forte exclusão do mercado de trabalho ou baixa intensidade laboral passou de 8% para 7,2%; e finalmente, o indicador síntese do Eurostat que aglutina a proporção de famílias em situação de pobreza e de exclusão social passou de 23,3% para 21,6%.

Em contraciclo com a evolução dos principais indicadores de pobreza e de exclusão social, a taxa de pobreza da população idosa registou um agravamento de 0,7 p.p., fixando-se em 2017 nos 17,7%. O porquê deste aumento da incidência da pobreza na população idosa requer um estudo mais cuidado, mas uma explicação possível pode residir no facto de uma parte significativa da população idosa com menos rendimentos se situar muito próximo da linha de pobreza e, portanto, a sua classificação como pobre ou não pobre ser muito sensível às oscilações da própria linha de pobreza. O acréscimo dos seus rendimentos não foi suficiente para compensar o acréscimo do limiar de pobreza. Por outro lado, alguma desadequação dos instrumentos de combate à pobreza dos idosos como o CSI, cujo referencial em 2017 estava cerca de 10% abaixo do limiar de pobreza, pode constituir outro fator explicativo.

Também no que concerne à situação da pobreza da população desempregada se registou um ligeiro agravamento. Apesar da redução da população em situação de desemprego ter diminuído, e certamente ter-se reduzido o número de desempregados em situação de pobreza, a taxa de incidência dos desempregados aumentou 0,8 p.p., fixando-se em 45,7%, um dos valores mais elevados e mais preocupantes do conjunto da população.

Um último conjunto de indicadores que merece destaque na recente publicação do INE analisa os níveis de desigualdade. Todos os índices de desigualdade registam uma diminuição: o coeficiente de Gini desceu de 33,5% para 32,6% e o indicador que mede a distância dos rendimentos entre os 20% mais ‘ricos’ e os 20% mais ‘pobres’ diminuiu de 5,7 para 5,3. Estes valores são ainda mais significativos por serem igualmente os mais baixos registados em Portugal desde o início da corrente série estatística em 2003.

Que balanço global podemos fazer destes números e como interpretá-los? É indiscutível que eles traduzem uma melhoria relevante da condição social do país e traduzem uma redução dos principais indicadores de pobreza, desigualdade e exclusão social. Tal deve-se em grande medida à recuperação económica do país, ao crescimento económico e à queda do desemprego. Mas deve-se igualmente a uma preocupação acrescida das políticas públicas com as questões sociais, com a preocupação de priorizar o crescimento dos rendimentos das famílias de menores rendimentos e ao reforço das políticas sociais.

Mas estes novos indicadores não nos podem fazer esquecer que Portugal continua a ser um dos países com maior pobreza e com maiores níveis de desigualdade na Europa. Que, no nosso país, permanecem em situação de pobreza mais de 1,7 milhões de cidadãos, e que uma parte significativa destes são crianças e jovens. Se alguma lição podemos tirar dos números agora conhecidos é o de que as políticas publicas e a sociedade no seu conjunto ainda têm um grande caminho a percorrer para construirmos uma sociedade mais coesa, socialmente mais justa, com menos pobreza e menos desigualdade.

O Institute of Public Policy (IPP) é um think tank académico, independente e apartidário. As opiniões aqui expressas vinculam somente os autores e não refletem as posições do Institute of Public Policy, da Universidade de Lisboa ou de qualquer outra instituição

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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