O umbigo de Paulo Guinote

Seria de grande injustiça conceder a contagem de mais tempo aos professores se tal não puder ser garantido a todas as carreiras que se encontram na mesma situação.

1. Agradeço a Paulo Guinote (P.G.) o seu artigo de ontem em que me visa em particular, para clarificar a minha posição sobre a contagem de tempo de serviço dos professores. Tendo em conta que, por força do OE 2019, a renegociação vai ser reaberta justifica-se responder. P.G. alega que o conjunto de declarações de voto que fiz se destinou a apresentar-me como “desalinhado”. Eu sei que os factos são difíceis de aceitar, mas se se consultar o site do hemiciclo (www.hemiciclo.pt) ver-se-á que desalinhei no voto 141 vezes do grupo parlamentar do PS, cumprindo sempre a disciplina de voto partidária nas matérias relevantes e é por essas votações (e não pelo OE onde cumpri a disciplina) que alguns me designam há muito tempo, por “deputado desalinhado”. As declarações de voto são importantes pois, na sua ausência, em vários casos teria votado de forma diversa do PS. Não é, contudo, o caso em apreço em que votei, convictamente alinhado, contra todos os projetos favoráveis a reabrir as negociações com os professores. P.G. concede-me, e à língua portuguesa, que haja dois significados para a palavra “retroativo” e sabe, mas omite, que o sentido em que utilizo o adjetivo é o que vem em todos os dicionários: “que tem efeitos sobre factos passados, que modifica o que já foi feito” (Dicionário da Língua Portuguesa, Porto Editora, 2010). Ora, as normas dos orçamentos de Estado até 2017 (inclusive) introduzem uma distinção entre carreiras gerais e especiais. Naquelas em que o tempo de serviço é um elemento central na progressão na carreira, foi sempre claro nesses OE que não produziriam efeitos em termos de progressão. Aquilo que consta do cenário macroeconómico, do programa eleitoral e do programa de governo do PS é o descongelamento das carreiras e é isso que está a ser cumprido. Na expressão feliz de António Costa, pôr de novo o relógio a contar. Aquilo que alguns partidos e sindicatos defendem é um “descongelamento retroativo”, pôr a contar não a partir de hoje, mas a partir do momento no passado em que ele ficou “parado”. Já que falamos em factos, o tempo de serviço docente não é “apagado”. Ele conta obviamente para efeitos de direitos de pensão (os descontos foram feitos!), e conta parcialmente para a progressão. É obviamente de justiça contar algum tempo (aliás já aceite pelo Governo), equiparando os professores às outras carreiras onde se pratica a avaliação (através do SIADAP). Mas seria não só de uma grande injustiça, mas também de uma grande irresponsabilidade conceder a contagem de mais tempo aos professores, se tal não puder ser garantido a todas as carreiras que se encontram na mesma situação.

2. Para perceber porquê temos de sair do umbigo de P.G. – que são os professores do ensino básico e secundário (PEBS) – e alargar o debate da justiça distributiva, primeiro a todos os docentes do ensino superior (DES), depois às restantes carreiras especiais, e finalmente a todos os trabalhadores portugueses do público e do privado. Um facto ignorado neste debate é que os DES também tiveram o seu “tempo congelado” para efeitos de progressões. Outro facto é que os DES têm uma carreira, não com uma única categoria como os PEBS, mas com várias categorias. Um professor auxiliar, que é doutorado, só consegue progredir, pelo tempo (agora também avaliação), até ao seu ultimo escalão. O tempo não lhe permite passar a associado ou catedrático. Os trabalhadores noutras carreiras especiais em que o tempo ainda é um factor preponderante na progressão querem ter tratamento semelhante ao dado aos professores. Policias e militares já pediram reunião a António Costa este mês precisamente com esse objetivo. E na justiça há obviamente reivindicações semelhantes. Percebo as insatisfações de muitas classes profissionais (no público e privado) em relação aos efeitos da passada austeridade e suas implicações. Todos os portugueses reconhecerão que se o período de maiores dificuldades e aperto já passou, continuamos, pela elevada dívida e um crescimento económico modesto, vulneráveis. A justiça exige tratar igual o que é igual e diferente o que é diferente, no contexto das condições financeiras ainda precárias do país.

P.S.: Sou filho e neto de professoras de matemática e tenho o maior apreço pela nobre profissão docente, que abracei com gosto. Mas recuso-me a ver o país a partir do meu umbigo.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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