Face Oculta: “Como é que um processo que correu bem demora dez anos?”

Julgamento do caso de Aveiro demorou dois anos e dez meses, muito menos do que os quase seis anos e meio do processo principal do BPN ou os perto de seis anos do Casa Pia.

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O Tribunal de Aveiro condenou os 36 arguidos do caso em Setembro de 2014 fernando veludo / nfactos

O juiz-presidente da comarca de Aveiro, Paulo Brandão, que acompanhou de perto o caso Face Oculta, compreende as perguntas sobre a duração deste processo e acha pertinente uma interrogação. “Como é que um processo que correu bem demora dez anos?”, questiona o juiz, que recusa fazer qualquer análise sobre a demora.

O balanço da evolução de seis mega-processos feito pelo PÚBLICO (ver infografia) mostra que, em alguns aspectos, o Face Oculta, que investigou uma rede de corrupção e influências que terão favorecido o empresário do sector das sucatas Manuel Godinho, foi exemplar. E isso até motivou um estudo do Observatório Permanente da Justiça da Universidade de Coimbra.

A investigação começou em Novembro de 2008 no Ministério Público de Ovar, mas só ganha velocidade cruzeiro em Abril de 2009, quando, fruto da criação da comarca piloto do Baixo Vouga, é transferida para o Departamento de Investigação e Acção Penal de Aveiro. Em seis meses foram recolhidos os elementos essenciais que permitiram à PJ de Aveiro e ao Ministério Público avançar com a detenção de Manuel Godinho e a constituição como arguidos de mais de uma dezena de pessoas, incluindo o ex-ministro Armando Vara, então vice-presidente do BCP. Em Outubro de 2010, menos de dois anos após o início da investigação, já havia acusação contra 36 arguidos. Menos de cinco meses depois o juiz de instrução levava todos a julgamento. 

As audiências começam em Novembro de 2011 e dois anos e dez meses depois um colectivo de três juízes condena todos os arguidos, 11 dos quais a prisão efectiva. Muito menos tempo que o julgamento do processo principal do BPN, que demorou quase seis anos e meio, ou o da Casa Pia, que se prolongou por perto de seis. Mais rápidos nos mega-processos que o PÚBLICO comparou só o Apito Dourado, cujo julgamento demorou cinco meses, e os Vistos Gold, que tem a decisão da primeira instância marcada para 21 deste mês, um ano e dez meses após o seu início.

No Face Oculta, a decisão da primeira instância foi proferida menos de seis anos após o início da investigação, enquanto, por exemplo, na Operação Marquês o processo já conta com perto de cinco anos e meio e nem sequer começou a fase de instrução que vai ditar se e quem vai a julgamento.

Dez anos após o início do Face Oculta ainda há quatro recursos no Tribunal Constitucional, que envolvem oito arguidos. Mesmo assim, um panorama bem melhor do que no BPN, que começou na mesma altura do Face Oculta mas que, dez anos depois, teve de regressar à primeira instância devido a um erro do colectivo de juízes que julgou o caso. Ainda há recurso para a Relação, nalguns casos para o Supremo, e finalmente para o Constitucional.

No Face Oculta, depois da decisão da primeira instância, o processo demorou um ano a chegar à Relação do Porto. Paulo Brandão explica que tal se deveu a vários factores, nomeadamente, a um problema grave de saúde de uma advogada que foi considerado justo impedimento e evitou que durante três meses o prazo excepcional de 60 dias para os condenados interporem recurso começasse a contar. Seguiram-se dois meses para o Ministério Público responder aos 32 recursos e muitos requerimentos.

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