Presidente da República defende que se deve "equilibrar o investimento estrangeiro"

Na véspera da visita do presidente chinês a Portugal, Marcelo antecipa que um dos portos nacionais pode entrar na nova rota da seda que o governo chinês está a lançar.

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LUSA/Manuel Almeida

O Presidente da República admite que a iniciativa chinesa "Uma Faixa, Uma Rota", de investimento em infra-estruturas, "podia atravessar Portugal" num dos seus "principais portos", mas defende que se deve "equilibrar o investimento estrangeiro".

Marcelo Rebelo de Sousa assume estas posições numa entrevista ao canal de televisão chinês internacional em língua inglesa, CGTN, transmitida hoje, na véspera do início da visita de Estado do Presidente da República Popular da China, Xi Jinping, a Portugal, que decorrerá entre terça e quarta-feira.

Em relação à iniciativa "Nova Rota da Seda", também conhecida como "Uma Faixa, Uma Rota", o chefe de Estado considera: "Podia atravessar Portugal, entrando num dos nossos principais portos. Sim, podia acontecer. Ao mesmo tempo, podíamos ter lá outros investidores de outros países".

"É possível que durante a visita do Presidente Xi a Portugal se venha a assinar o memorando de entendimento sobre este assunto? É. Estamos a negociar, estamos a trabalhar nisso. Portanto, é possível", adianta.

Nesta entrevista de perto de meia hora, gravada no dia 12 de Novembro no Palácio de Belém, em Lisboa, Marcelo Rebelo de Sousa considera que os investidores chineses de certa forma "anteciparam" a recuperação económica de Portugal, "essa é a lição dos factos", e responde àqueles que dizem que "é de mais, que é quase uma invasão chinesa", contrapondo: "Eu não vejo a questão assim".

"Quando olhamos para a nossa economia, temos sectores-chave nas mãos de empresas portuguesas, claro, mas também de empresas europeias: transportes, comunicações, algumas infra-estruturas cruciais, telecomunicações. E no sector bancário e noutras áreas temos uma presença europeia muito forte, muito forte. E também presença americana", salienta, concluindo: "Eu penso que é bom para Portugal equilibrar o investimento estrangeiro".

"Agora, olhamos para o futuro e queremos mais investimento", afirma.

Neste contexto, o Presidente da República refere-se ao "principal projecto chinês, que atravessa o mundo", a iniciativa "Uma Faixa, Uma Rota", lançada em 2013, admitindo que "podia atravessar Portugal, a caminho da Europa, e podia ser útil para muitos, muitos países", para a China, "mas também útil para a economia portuguesa".

De acordo com Marcelo Rebelo de Sousa, pode-se "tirar vantagem da posição estratégica que Portugal tem na Europa, na Europa ocidental, perto de outros continentes".

No que respeita às relações económicas bilaterais, o chefe de Estado realça que Portugal também quer "estar mais na china", com "empresas portuguesas lá, a trabalhar nas infra-estruturas, na energia também, nos sectores industrial, comercial, cultural".

"Deve ser uma cooperação com dois sentidos, não somente com um sentido. Isso é muito importante para nós", reforça.

Ainda dirigindo-se àqueles que "não compreendem" a recente entrada de investimento chinês em Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa explica que "foi rápido porque a decisão de privatizar os sectores foi tomada recentemente, por razões políticas, mas também devido à crise".

"Por que não vieram vocês, sendo europeus, sendo americanos, sendo bem-vindos de todas as partes do mundo, sendo árabes?", pergunta. Mas logo ressalva: "Alguns deles vieram, e felizmente a nossa economia está a receber bastante investimento europeu, investimento americano, investimento árabe, investimento de outros países asiáticos".

Marcelo defende que há uma "fraternidade insubstituível" entre Portugal e China

O Presidente da República salienta que Portugal "tem aliados tradicionais", como Estados Unidos da América e Inglaterra, mas defende que com a China existe "algo muito especial", uma "fraternidade que é insubstituível".

Na entrevista, o chefe de Estado manifesta-se convicto de que "é possível o diálogo" entre Estados Unidos da América e China, a propósito da Cimeira do G20, e diz que "tem de se compreender que cada um deles tem as suas próprias instituições e as suas próprias lógicas políticas".

Neste contexto, refere: "Os Estados Unidos da América são uma democracia, uma democracia forte, com eleições. E, portanto, muitas decisões são tomadas a pensar, não só no interesse do país, claro, o que é natural, mas também tendo em conta a percepção do eleitorado".

Pela parte chinesa, segundo o Presidente da República, "é também muito útil que a China explique, de certo modo, a sua percepção do mundo", porque "este diálogo de percepções é muito útil".

De acordo com Marcelo Rebelo de Sousa, no plano global deixou de haver "um só superpoder" e há um novo quadro que "requer o multilateralismo". Portugal, sustenta, "está em posição de ser muito bom nisso".

No que respeita às relações luso-chinesas, defende que "são de certo modo insubstituíveis", porque existe uma complementaridade, e admite no futuro "um trabalho em parceria" através de "uma presença conjunta noutros países e continentes como a América do Sul ou África".

"Nós temos aliados tradicionais, claro, dentro da União Europeia, os Estados Unidos da América, o Canadá, e outros, começando pela Inglaterra, que foi o nosso primeiro aliado histórico. Mas com a China é algo muito especial", defende, acrescentando: "No caso da China, somos complementares".

Marcelo Rebelo de Sousa recorda que deu aulas em Macau, de direito, ciência política e administração, nos anos de 1980, e observa, dirigindo-se para a entrevistadora Liu Xin, que tem um programa diário com o seu nome na CGTN: "Sabe que Macau nunca foi considerada uma colónia portuguesa? Nunca, porque era chinesa".

"Nós sentimos que descobrimos, não hoje, mas há 500 anos, uma espécie de fraternidade, uma fraternidade convosco que é insubstituível. É diferente de tudo o que temos na nossa história e no nosso passado, presente e, estou certo, futuro", reforça.

Interrogado sobre os sectores em que espera um reforço da cooperação entre Portugal e a China, o Presidente da República aponta, em primeiro lugar, a educação, "porque é o futuro", em segundo lugar, a cultura, "ponto-chave para o conhecimento mútuo".

Em terceiro lugar, Marcelo Rebelo de Sousa quer mais cooperação entre "movimentos sociais, instituições sociais, fundações de cuidados de saúde, fundações científicas, fundações tecnológicas, diferentes instituições cooperem".

Só depois menciona a economia. "Sim, em último, sabe porquê? Porque é o mais fácil", justifica.

O chefe de Estado destaca que há "presença chinesa no sector bancário, no sector dos seguros, no sistema de cuidados de saúde privado, também no importante sector da energia, nalgumas infra-estruturas", ou seja, na "maioria dos sectores-chave da economia" portuguesa.

"E isso aconteceu em menos de dez anos. É por isso que eu disse que é mais fácil trabalhar e cooperar económica e financeiramente do que é culturalmente, na educação e socialmente", argumenta.

Numa outra entrevista, à agência noticiosa oficial chinesa Xinhua, também divulgada hoje, Marcelo Rebelo de Sousa descreve as relações luso-chinesas como "excepcionais" e congratula-se com o posicionamento da China face à União Europeia.

"Devo reconhecer com satisfação que a China entende a União Europeia, percebe que a União Europeia é um protagonista fundamental na escala universal. Por isso, a China defende que a União Europeia deva ser unida, e não dividida, e que tenha um papel cada vez mais forte no mundo. Isso é positivo", declara.

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