Flaming Hot Cheetos

São tempos no fio da navalha os que vivemos, para os quais é difícil ter um roteiro pré-determinado. Mas é a altura certa para perceber se Emmanuel Macron saberá resistir à contestação da rua.

Na temporada cinco da série de televisão Orange Is the New Black — sobre a vida numa prisão feminina —, as reclusas tomaram o controlo da cadeia num movimento caótico e só depois decidem elaborar uma lista de reivindicações.

Da razoável amnistia para as revoltosas ou melhores serviços de saúde, até à irrealizável câmara de gravidade zero ou a presença de Beyoncé, a lista era grande. Famosa ficou a reivindicação dos snacks Flaming Hot Cheetos e Takis corn tortillas de uma das presas, que tanto pode ser visto como um disparate completo como uma demonstração de dignidade individual, no mundo despersonalizado da cadeia. Um pouco como toda a lista.

O conjunto de reivindicações dos “coletes amarelos” que colocaram novamente Paris em estado de sítio não anda muito longe do das personagens da série da Netflix. À inicial reivindicação contra o aumento do diesel juntaram-se exigências como o fim da austeridade, a protecção da indústria francesa, mais estacionamento gratuito no centro das cidades, mais meios para a psiquiatria, fim dos subsídios vitalícios dos presidentes, nenhuma pensão abaixo dos 1200 euros... A lista é interminável e reflecte não só as características inorgânicas do movimento como um mal-estar perante linhas de força da nossa contemporaneidade como a globalização, a concentração populacional nos grandes centros urbanos, a imigração ou o descrédito nas elites e na classe política. Uma reacção nada distante do que tem tido tradução eleitoral noutros países, dos EUA ao Brasil.

O autor do livro Smartphone Democracy: Digital Populism from Trump to Macron acha que o Presidente francês foi atingido por uma “revolta camponesa digital sem rosto”, e sublinha a ironia: “A insurgência dos ‘coletes amarelos’ é um produto dos mesmos fenómenos que o levaram ao poder — o descrédito no sistema e a capacidade de as pessoas comunicarem através das redes sociais e de se organizarem espontaneamente.” 

São tempos no fio da navalha os que vivemos, para os quais é difícil ter um roteiro predeterminado. Mas é a altura certa para perceber se Emmanuel Macron consegue ultrapassar o juízo pessimista que a revista Economist reserva para quase todos os presidentes franceses. O de que as intenções reformistas normalmente anunciadas no início de mandato são boas, mas é preciso saber resistir à contestação da rua. Em Orange Is the New Black, as reclusas tiveram de se contentar com tampões gratuitos, Flaming Hot Cheetos e Takis corn tortillas.

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