Música para os ouvidos da classe média

É essa tranquilidade de que não vem ai uma nova troika que pode levar o eleitorado do centro a deixar-se seduzir pelo voto no PS

Depois de passar uma semana a fazer propaganda de celebração dos três anos de Governo, que se assinalaram na segunda-feira, o primeiro-ministro, António Costa, foi à Assembleia da República encerrar o debate da votação final global do Orçamento do Estado para 2019, que foi aprovado com os votos do PS e dos seus parceiros de aliança parlamentar, o BE, o PCP e o PEV.

Momentos antes de aprovar o quarto Orçamento com a esquerda, do cimo do púlpito parlamentar, Costa anunciou uma medida que veste que nem uma luva na sua estratégia eleitoral de crescer ao centro, seduzindo o voto da classe média. Até ao fim do ano, Portugal vai pagar a “totalidade da dívida de 4,6 milhões ao FMI”, afirmou o primeiro-ministro. Para quem não percebesse, o primeiro-ministro acrescentou outra frase: “Com todo o significado que comporta mais este virar de página.”

Na mesma intervenção, fez questão de lembrar que estava à beira de terminar uma legislatura em que foi primeiro-ministro fruto de uma até aí inédita aliança parlamentar à esquerda, feita em 2015 com o BE, o PCP e o PEV. Mas quem atentar bem às suas palavras repara que  Costa não projecta a aliança política para o futuro. Diz, sim, que a governação do PS, e a Agenda para a Década em que assenta, é um projecto de futuro, mas não refere os actuais parceiros.

Desde o congresso do PS, em Maio, que Costa afirma claramente uma estratégia de “recentramento” do PS, tendo assumido então, na abertura dos trabalhos, o conceito de “partido charneira” definido pelo líder fundador, Mário Soares. Fê-lo ao mesmo tempo que dava ao PSD, liderado por Rui Rio, o protagonismo de partido central de poder com quem as questões estruturantes do Estado têm de ser negociadas. No caso foi a descentralização e as orientações sobre os fundos comunitários da próxima década. Mas os entendimentos prosseguem.

Nessa estratégia de recentramento, Costa tem objectivos claros. Por um lado, não acantonar o PS aos territórios do PCP e do BE. Por outro lado, é dos manuais que nenhuma maioria absoluta se consegue em Portugal sem cativar o eleitorado do centro, precisamente aquele que se caracteriza por ser sociologicamente de classe média. Ora, na memória da classe média portuguesa está ainda vivo o trauma do chamado “reajustamento orçamental,” pelo qual perdeu uma violenta fatia de rendimentos. Cortes que serviram para equilibrar as contas públicas e para satisfazer as exigências da troika, constituída pela Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional, para viabilizarem um empréstimo de 78 mil milhões de euros que evitou a bancarrota do Estado português em 2011.

É precisamente a parte que o FMI avançou então que Costa agora anunciou que o Estado vai acabar de pagar. Essa notícia é música para os ouvidos dos eleitores de classe média. Tanto mais quando está associado à previsão de um défice que pode ficar abaixo de 0,7% do PIB este ano e que é anunciado como de 0,2% para 2019. Estes são factores que seduzem o eleitorado, ao mesmo tempo que deixam descalços de argumentos o PSD e o CDS, que tanto gostam de acusar o PS de despesismo.

É certo que, no momento de saída da crise e com as actuais regras orçamentais impostas pela Comissão Europeia, qualquer Governo teria de ter este sucesso orçamental. É verdade também que a dívida portuguesa se mantinha em 126,2% do PIB em Dezembro de 2017 e que a estratégia do actual e do anterior Governo tem sido a de contrair dívida a juros mais baixos para a pagar com juros altos. Mas é essa folga dos juros, associada à gestão orçamental controlada, que tem dado ao país capacidade de respirar. E é essa tranquilidade de que não vem aí uma nova troika que pode levar o eleitorado do centro a deixar-se seduzir pelo voto no PS e até a confiar a António Costa uma maioria absoluta.

É nisso que o primeiro-ministro está a apostar. Liberto de mais negociações orçamentais exclusivamente à esquerda, pode lançar-se em pré-campanha eleitoral — na qual, de facto, já está desde o Congresso de Maio. Por mais que, como fez no encerramento do debate orçamental, Catarina Martins avise Costa com um sonoro: “Não pense que se livra de nós!”, tudo na estratégia de Costa mostra que ele tentará provar que o BE é um partido descartável nos equilíbrios de poder. Até porque, ao contrário do PCP, não tem força sindical.

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