Uma vacina para a asneira

Os deputados deveriam perceber que não podem tirar os especialistas da equação quando chega a altura de legislar

Legislar é, ou pelo menos deveria ser, um dos actos mais nobres em democracia. Determinar em letra de lei o comportamento dos cidadãos, as regras com que se irá regular uma comunidade, porventura muitos anos após essa lei ser aprovada, deve ser resultado de um exercício ponderado, no qual se devem confrontar opiniões, pareceres técnicos e uma previsão o mais rigorosa possível do impacto que irá ter esse gesto.

Para isso é suposto elegermos alguns dos melhores entre nós, que depois irão procurar o melhor conhecimento que a sociedade lhes possa fornecer para fundamentar as suas decisões. Em muitos casos é isso que acontece naquele trabalho menos visível das comissões parlamentares, só que depois...há o orçamento.

Num parlamento sem a maioria clara de um partido ou de uma coligação governamental, com a possibilidade de se formarem coligações espontâneas, a votação do orçamento na especialidade, em vésperas de ano eleitoral, continha o risco do inesperado. E se as anunciadas “coligações negativas” mais gravosas não se verificaram, a asneira grossa não deixou de ocorrer. E nem sequer foi na factura, mas no atropelo dos bons procedimentos parlamentares.

Pois se o resto do Mundo vive preocupado com o problema de saúde pública criado por pais que se recusam a vacinar aos filhos, nós conseguimos arranjar um problema por acrescentar vacinas a um plano de vacinação que já é dos mais completos do mundo. Problema, porque na ânsia de mostrar serviço, PCP e BE e PEV decidiram apresentar propostas para incluir novas vacinas sem se preocuparem em ouvir as entidades científicas devidas, nomeadamente a Direcção-Geral de Saúde. A do PCP foi aprovada.

Quando assistimos ao ressurgimento de doenças como o sarampo porque as pessoas, protagonizando um verdadeiro retrocesso civilizacional, preferem ouvir charlatões e aqueles que aos factos científicos contrapõem opiniões, os deputados deveriam perceber que não podem tirar os especialistas da equação. Numa altura, em que o presidente do país mais poderoso do mundo nega as evidências científicas das alterações climatéricas, passando o sinal de que podemos passar sem o trabalho de quem investiga e pensa, os nossos parlamentares deviam liderar pelo exemplo e não falhar tão estrondosamente como o fizeram.

Os partidos que não governam terão sempre alguma tendência para legislar para o mundo que gostariam de ter. Mas convém que continuem a contar com o mundo que já existe.

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