Nesta Pharmácia, a receita prescrita é uma boa dose de música

Na Pharmácia Musical de Hugo Fernandes, entre vinhos e petiscos, há concertos de música que actuam como "medicina para a alma". Do seu amor pela música, surgiu um bar que também é uma mini-sala de concertos.

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O espaço é transformado em dias de concerto Miguel Manso
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Os antigos armários de uma farmácia na Penha de França serviram como decoração para o bar Miguel Manso
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Quem entra numa farmácia espera encontrar o receituário adequado para curar as maleitas do corpo e da mente. Hugo Fernandes, de 42 anos, é o homem por trás do balcão de uma antiga lavandaria transformada em mini-sala de concertos que também é bar. Não é farmacêutico, mas de uma coisa tem a certeza: “A música é medicina para a alma”. E é isso que receita a quem o visita no 43 da Rua Damasceno Monteiro, aos Anjos. A sua Pharmácia Musical está ali de serviço, noite fora, desde Setembro, e, entre vinhos e petiscos, serve-se música. No seu cantinho “sente-se tudo, escuta-se tudo”.

Violoncelista de profissão, sempre quis abrir um espaço cultural. Mas foi numa farmácia desactivada da Penha de França, em Lisboa, que o sonho ganhou forma. Os armários e balcão que lá encontrou atraíram-no, ainda sem saber o destino que lhes daria. Conseguiu-os a uma senhora por um preço bom. Mas, quando se deparou com a lavandaria devoluta, percebeu que tinha descoberto o sítio certo. A decoração também já a tinha. E o nome, esse, saiu-lhe dos frascos âmbar ainda guardados nos armários antigos da farmácia. Segundo ele, “continham todos os ingredientes para criar este espaço”.

Desengane-se o leitor que vem somente à procura de um texto sobre um novo bar na cidade. Esta Pharmácia também o é, mas no espaço de Hugo há muito mais do que isso. E, como tal, estas palavras têm como missão fazer jus ao gostar de um músico pela música, que se materializou em forma de bar.

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Embora seja músico clássico, toca “muitos estilos diferentes”. Essa versatilidade, diz, encarregou-se de o cruzar com amigos músicos de todos os estilos. De amigos e conhecidos chega-lhe, então, a matéria-prima que encanta clientela e vizinhos. Convida-os para tocar por cachets simbólicos. E foi assim que, há dias, se proporcionou um serão na companhia de músicos como Noél Gonzalez e Jacob Hernandez, dois mexicanos nomeados para um Grammy por músicas que integram a banda sonora do filme Frida.

Os clientes vêm para escutar música. E quando é dia de concerto, normalmente há um jantar condizente a acompanhar. Esse repasto “pode ter uma ligação temática com o país de origem dos músicos”, afirma. Será o caso do próximo domingo, em que servirá comida guineense a pretexto do concerto de dois irmãos que são naturais desse país.

Desde que abriu, sente que começou a existir um circuito musical na zona. “Há mais dois ou três sítios que também fazem concertos e isso é bom”, considera. O seu espaço é uma montra para artistas de qualidade que ainda não conseguiram chegar aos grandes palcos. Mas, mais que tudo, a Pharmácia Musical existe para “criar envolvência com as pessoas”. Para o futuro, Hugo quer implementar uma rede de circulação de projectos musicais por outros bares do país, mas as ideias não se ficam por ai.

A pensar nos que vivem ali perto, também quer lançar uma série de workshops para pais e filhos. A ideia é envolver os locais para “sentirem que o bar também é deles e poderem partilhar com outros o que quiserem”. Reconhece que estas iniciativas já existem noutros locais, mas a sua valia é estarem mesmo à porta de casa de pessoas que, se calhar, “não têm acesso ou que não sabem que existem”.

Para picar qualquer coisa, ao som de um bom concerto, há petiscos que vão dos quatro aos oito euros. O vinho, diz Hugo, também é bom. Com a ajuda de um amigo enólogo elaborou uma pequena carta com algumas sugestões que não defraudam. E porque nem só de receitas musicais é feita esta farmácia, haverá para breve uma carta de cocktails elaborada por uma amiga alemã. O foco na criação das bebidas estará na relação entre a música e as farmácias. Afinal de contas, ambas são capazes de curar ou fazer sentir melhor em determinadas situações.

O cocktail Clarify Milk Punch (8€) demora quatro dias a ser preparado e leva várias bebidas espirituosas e especiarias. “Passa por vários processos e é homogeneizado com leite quente que depois é filtrado”, explica o proprietário. Daí resulta um líquido amarelo que é um “cocktail de memórias”. De cada vez que se dá um trago, é-se invadido por “sensações e cheiros diferentes”, assegura Hugo. “Vai-nos buscar recordações."

Hugo transporta memórias em cada gesto, nota ou projecto musical que propõe. Para ele, qualquer lugar é feito de afecto e de pessoas. Esta Pharmácia só existirá “quando todos os sentires fluírem em presença”. Enquanto não são implementados todos os projectos que quer para o espaço, há para ver uma exposição de ilustração do canadiano Pierre Pratt que estará patente, pelo menos, durante mais uma semana.

A música continuará a ecoar das paredes da antiga lavandaria transformada em bar. Ao antigo balcão de farmácia que aproveitou para o espaço, o gramofone que antes tinha em casa ainda gira libertando melodias. Para acompanhar, nada como um bom vinho criteriosamente seleccionado para a ocasião.

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