A costa dos mil sorrisos

O país que é um rio, por vezes visto como paraíso do turismo sexual, ainda guarda lugares impregnados de solidão e de silêncio, tão fiéis às tradições. E, agora que o Inverno se aproxima a passos largos, praias que parecem transportadas das Caraíbas para este recanto de África.

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- Yvonne, queres um negro esta noite no teu quarto?

A holandesa dá uma enorme gargalhada que desperta a atenção de outros clientes que se sentam à volta da piscina iluminada do hotel.

- E porque não?

O turismo sexual é uma realidade na Gâmbia, um país que também é um rio cheio de vida - e ao longo do qual eu cheguei a recear a morte. Mas a Gâmbia é muito mais do que isso, é exótica, é acolhedora, cheio de ritmo e de cor, de praias de areias finas, brancas e douradas, com as suas águas azuis, como um pedaço das Caraíbas transportado para este recanto de África. 

Situada a escassos 13 quilómetros a sudoeste de Banjul, a capital do país, Serekunda é a maior cidade da Gâmbia, com perto de 400 mil habitantes. Com uma toponímia que significa “a casa da família Sayer” (Sayer Kunda), assim designada por influência do seu fundador, Sayerr Jobe (um soberano da etnia wolof, natural de Koki, no Senegal, que aqui se estabeleceu no século XIX), Serekunda (também se pronuncia Serrekunda) é um daqueles lugares que não seduz o viandante à primeira vista.

Mas à medida que me embrenho, às primeiras horas da manhã, quando o sol já castiga a terra, pelas suas ruas tão cheias de poeira, onde a areia trazida pelo harmatão – o vento invernal procedente do Sara – se acumula, sinto-me cada vez mais atraído pelas suas cores e pelos seus cheiros, pela atmosfera repleta de vozes, pelo constante formigueiro que por vezes, sem tempo para perder tempo, parece enlouquecido na sua errância pelas artérias que abraçam o edifício que abriga um dos mercados mais concorridos do país. No interior ou nas ruas mais próximas, onde se pode tomar o pulso à verdadeira Gâmbia – ao contrário do que acontece na indolente Banjul -, ninguém fica indiferente às cores dos vestidos ou dos lenços das mulheres, à multitude de produtos que são vendidos em bancas rudimentares, desde frutas e legumes a móveis e electrodomésticos, à música saída de rádios ecoando nos céus no volume máximo, misturando-se com o som das buzinadelas de carros e táxis que dificilmente conseguem romper por entre a verdadeira maré humana que preenche Serekunda.

Caminho ao longo da frenética Avenida Sayerr Jobe, ponho os olhos em barbearias, em lojas de têxteis, em folhas secas que não reconheço, em especiarias, em utensílios de alumínio e de ferro para cozinhar, em carpintarias onde homens tratam de esculpir a madeira, criando elegantes ornamentos para decorar camas e roupeiros. Até que, abandonando a Mosque Road, encontro, em Dippa Kunda, uma das mais importantes fábricas de batique da Gâmbia, propriedade de Musu Kebba Drammeh, renomada mulher de negócios que, após a sua morte, em 2003, teve na filha uma digna sucessora.

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Sinto necessidade de algum silêncio – e não tenho de percorrer uma grande distância para o descobrir, no tranquilo parque florestal de Bijilo, por entre dunas e vegetação, um lugar também apreciado por macacos e pássaros e onde, de quando em vez, antes de o avistar, me chega o sussuro do mar.

Bênção das águas

País mais pequeno de África, encravado entre o Senegal e com pouco mais de 30 quilómetros de Norte a Sul, a Gâmbia tem no oceano Atlântico uma forte e permanente tentação para quem o visita. Mas de quando em quando dá vontade de virar costas ao mar, de ignorar, por umas horas ou por uns dias, a indústria do turismo, a mais rentável para o país em termos económicos, como se torna visível ao longo de uma faixa costeira de uma dezena de quilómetros entre Bakau e Fajara e Kotu e Kololi. Das quatro, a primeira foi aquela que melhor soube preservar o seu carácter local, com uma parte antiga que, a despeito da localização tão próxima dos hotéis que bordejam as praias, mais parece estar a milhas dessa atmosfera com tanto de europeia e tão pouco de africana, tão afastada das suas tradições.

Uma delas encontra-se precisamente em Bakau, num lago circular onde acorrem pessoas de toda a Gâmbia e mesmo dos países vizinhos em busca das bênçãos dos crocodilos do Nilo – uns 80 que gozam dos prazeres do sol nas margens, com os seus corpos imóveis, como esculturas, à excepção dos momentos em que são alimentados, ou se escondem sob as águas turvas cobertas de uma vegetação flutuante.

- Podes tocar-lhes. Não tenhas medo.

Olho nos olhos desafiadores de Touray Salam mas, sorridente, declino o convite. Os répteis, aparentemente mansos, não conquistam a minha confiança e se essa é uma qualidade pela qual são famosos, ao ponto de serem uma das maiores atracções turísticas da Gâmbia, prefiro acreditar numa outra que os define como animais capazes de conceder a fertilidade.

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Por essa razão, milhares de mulheres lavam-se, todos os anos, nestas águas sagradas, aos seus filhos oferecem o nome de Kachikally – e não são as únicas a pedir a bênção, também os lutadores a elas recorrem na véspera de um combate e mesmo os políticos acreditam nas suas capacidades antes de um acto eleitoral.

Olho uma vez mais a piscina dos crocodilos, gerida pela família Bojang há mais de 500 anos (altura em que, de acordo com a tradição oral, também fundou esta antiga aldeia que é hoje a cidade de Bakau), ainda hesito por instantes mas não ganho coragem para tocar naqueles corpos atingidos pela inércia. Sinto-me mais seguro no Museu Etnográfico, com os seus mais de mil artefactos que documentam a história de Bakau, nos trilhos pelo meio de uma floresta tão serena ou, mais para lá, no Cabo de Santa Maria, na Old Cape Road, no agradável jardim botânico, criado em 1894.

E, com o mar tão perto, mergulho nas suas águas antes de a noite tombar sobre Bakau.   

O peso do turismo

No início, como tantas outras, não era mais do que uma típica aldeia de pescadores que se agitava ao final do dia, quando os barcos regressavam da sua faina diária. A partir da década de 80 do século passado, Kololi tornou-se num dos lugares da Gâmbia mais procurados pelos turistas provenientes do norte da Europa, sofrendo uma transformação radical.

Com a construção do primeiro hotel, o Gambia-Norway, em 1982, outros se seguiram, Kololi estendeu-se até ao mar, vivendo mais para o turismo e menos para a indústria da pesca. Os prédios não paravam de crescer, substituindo as palmeiras que antes se recortavam contra o céu, a areia requerida para a construção era descaradamente roubada das praias, até que, já em 2003, a situação se tornou insustentável – uma empresa holandesa, a Delft Hydraulics, foi chamada para reparar os prejuízos causados pela extracção (agravada com a erosão) largando um milhão de metros cúbicos de areia ao longo dos 1,5 quilómetros de comprimento (e 120 metros de largura) da praia.

Passo umas horas em Kololi, relaxando, mas logo sigo mais para sul, para Brufut, com as suas areias douradas, nas quais desaguo depois de percorrer, num silêncio apenas perturbado pelos pássaros, um trilho que me obriga a uma constante atenção.

No céu, correm uns farrapos, as vagas quebram-se dóceis, há barcos coloridos em terra, árvores centenárias, peixe a secar em frente de casas humildes por onde espreitam, de quando em vez, uma mulher ou uma criança. Mais para diante, depois de passar em frente a uns murais onde se condena a pesca de golfinhos e de tartarugas, os pescadores lançam os seus barcos ao encontro das águas que agora se agitam – mas tudo é tão sereno à minha volta.     

Limito-me a ficar por ali, sentado na areia ainda húmida, escutando os raros e fracos sons de um domingo de manhã, até que um menino, com um sorriso na moldura do rosto, me faz companhia. Com ele, por vezes no mais completo silêncio, cheguei ao cimo de um penhasco onde me deixei impressionar por um enorme baobab, desconhecendo que estava num lugar sagrado.

A Sanneh-Mentering, um pouco a sul da praia Coral, com uma panorâmica soberba sobre o mar, acorrem os peregrinos muçulmanos para pedirem sorte na vida, um negócio mais rentável, cura em caso de doença ou apenas para rezar num tempo de dificuldade nas suas vidas, enquanto as mulheres se lavam com a água do poço que se encontra ao fundo do penhasco, na perspectiva de engravidarem. Com Saikou Tambajang prossigo a minha caminhada, grato pelo seu sorriso e pela vida que tenho, pela quietude que o cenário nos oferece, pisando um trilho que para ele é fácil de seguir e que nos leva, em pouco tempo, às florestas de Brufut, um paraíso para os amantes da observação de pássaros e para quem busca a serenidade que nem sempre é fácil de encontrar nas praias ao longo da zona costeira.

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A frenética Tanji

Ainda é domingo.

Espreito o interior de uma igreja onde os músicos ensaiam alguns acordes. Aos poucos, os crentes, com as suas melhores roupas, roupas domingueiras, começam a transpor a porta e a sentarem-se em bancos de madeira. Na rua, de terra batida, um idoso senta-se à sombra de uma árvore enquanto vigia os passos de uma criança com uma t'shirt esburacada.

Estou em Ghana Town, a curta distância a pé de Bufrut, uma aldeia cujo principal atractivo são as suas gentes, uma comunidade de pescadores provenientes do Gana que decora os seus barcos na praia de Brufut com as cores do país.

Não tardo a ser seguido por um grupo razoável de crianças que a todo o momento me pedem que lhes tire uma fotografia, com eles jogo à bola – e é uma bola, se Gâmbia e Gana se defrontam numa partida de futebol, que está na base do único receio da população ao longo da sua existência tranquila num país com fama de tolerante.

- Eu celebro o fim do Ramadão com os muçulmanos e eles festejam o Natal comigo, admitira, uns dias antes, Lamin Conteh, que explora um pequeno bar numa praia do Sul do país.

Ghana Town, com cerca de dois mil habitantes, foi fundada por ganeses no início da década de 60 do século passado, na sua grande maioria pescadores que tinham como destino o Senegal e acabaram por se radicar na Gâmbia.

É da pesca que se vive, também, em Tanji, uma aldeia ainda mais a sul que oferece o melhor que tem quando a tarde ameaça transformar-se em noite. A essa hora, as longas pirogas com as suas tonalidades tão garridas chegam à praia, as mulheres e as crianças avançam para as embarcações para seleccionar e transportar o peixe, milhares de gaivotas enchem o céu já pardacento.

Para o turista que procura uma praia onde possa estender uma toalha e viver umas horas de tranquilidade, Tanji, tão activa e tão (ou apenas) vocacionada para o trabalho, não é de todo aconselhável. Mas o mesmo não se pode dizer para quem procura identificar-se com a realidade de um país em que uma boa parte da população ainda encontra sustento na pesca - para esses Tanji proporciona, à medida que o dia vai declinando, o postal perfeito.

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Eu fiquei por ali horas, vendo as mulheres carregando o peixe à cabeça, admirando as gaivotas no seu histerismo, os olhos resvalando para aqui e para acolá, pelas manchas de sombra que se estendiam e pelo mar que se sumia no horizonte.

Num outro dia, bem mais cedo, regressei a Tanji, mais concretamente a uma área conhecida pelos locais como Karinti, entre a praia de Brufut e Tanji. Dunas, lagoas e florestas aprisionam os olhares ao longo da Tanji River Bird Reserve, tendo como complemento mangues, o estuário do rio Tanji, a ilha Bijol, os recifes e os ilhotes, um habitat tão diverso que facilmente atrai uma não menos importante selecção de aves, tanto indígenas como migrantes da Europa, num total de mais de três centenas de espécies.

Nesta zona, a praia, por vezes de difícil acesso, é mais do agrado do turista e, se ainda não corresponder às suas expecativas ou à sua exigência, basta caminhar cerca de um quilómetro para sul, depois de passar de novo a área ocupada pelos pescadores, para encontrar uma baía de areia fina por onde as vacas gostam de passear na sua indolência tão característica enquanto lançam olhares aos turistas.

De regresso à aldeia, mal o crepúsculo se anuncia, sinto-me invadido por um aroma forte e não resisto a entrar num armazém arcaico onde o peixe é fumado para melhor me identificar com o processo de preservação. A luz, filtrada pelo telhado ligeiramente aberto, espalha-se obliquamente, conferindo ao espaço, mergulhado num silêncio tão íntimo, algo de mágico. 

Por qualquer instinto, ainda olho uma vez mais para trás, assomado pelo sentimento de que me despeço, para sempre, do maior mercado de peixe da Gâmbia.  

A tranquila Kartong

Reza a lenda que os primeiros habitantes de Gunjur eram membros da família Sanyang, bianunkas da tribo Biyaro que se estabeleceram numa lagoa junto à costa atlântica conhecida como Bolong Fenyo. De acordo com outra tese, baseada numa nota do comissariado colonial e datada de 1941, a aldeia foi fundada pela família Darboe, pagãos que partiram do actual Mali há séculos e que receberam autorização dos reis de Birkama para fazerem desta área a sua casa – mas não propriamente na aldeia de Gunjur, num lugar um pouco mais distante do mar, agora ocupado pela floresta de Senga.

Nos dias de hoje, Gunjur é uma aldeia tranquila, por vezes adormecida, tão distinta de outras ao longo da costa que apenas vivem para e do turismo. Mas, embora pequena, Gunjur é um dos maiores centros de pesca de todo o país, como se pode comprovar quando se percorrem os três quilómetros que a separam da praia onde os pescadores chegam, ao final da tarde, como em Tanji, com as suas capturas.

Gunjur não tem como única atracção as actividades relacionadas com a pesca; também acolhe um pequeno museu que contempla figuras em madeira, máscaras e, entre outros artefactos, alguns instrumentos musicais (kora e balafon).

Por estes lados, ainda pouco explorados pela indústria do turismo, a natureza revela-se sedutora e exibe-se da melhor maneira na reserva florestal (privada) de Koofung ou em  Bolong Fenyo, uma área protegida da costa (inclui uma lagoa onde pode observar quase uma centena de diferentes espécies de aves) com 345 hectares, um território silente que esconde, por exemplo – mas não só - tartarugas e golfinhos.    

Caminho ainda um pouco mais para sul, ao longo da praia, agora deserta. Mais para a frente, entre Bator Sateh, onde o peixe é rei, e  Gunjar Madina, descubro, na sua beleza harmoniosa, a Secret Bay, paraíso dos surfistas – e, partindo daqui, não são mais de dez quilómetros até Kartong, já quase na fronteira com o Senegal e, pelo menos para já, um dos segredos mais bem guardados deste país cujas gentes não param de me oferecer sorrisos, tantas vezes de forma desinteressada.

Em Kartong, perante a ameaça de construção de hotéis, de projectos ambiciosos focados no turismo, a comunidade local parece fortemente empenhada em determinar o grau de desenvolvimento e em não desprezar as suas tradições, tão ligadas ao sector das pescas. Foi em Kartong que senti que a Gâmbia me envolvia com o seu olhar mais doce, desde logo na aldeia, onde as pessoas, homens e mulheres, me davam os bons dias; depois, durante a minha caminhada para a praia, observando os campos cultivados, aqui e ali recebendo um sorriso, um aceno, até alcançar uma duna que já me deixa ver o mar como moldura para uma mãe que lhe vira as costas de mão dada com o seu filho vestido com o equipamento de um clube inglês. Ondas suaves beijam a areia, não há ninguém à minha volta, nada mais avisto do que uma carcaça de uma tartatuga ou alguns pássaros – em Kartong, fundada pela família Buwarow, originária da Guiné-Bissau, pode-se – e deve-se - visitar o observatório, com mais de 260 espécies de aves contabilizadas.

De repente encontro-me numa língua de areia onde dois senegaleses (a maior parte dos residentes de Kartong são do Senegal) remendam as suas redes. Sento-me ao lado deles, conversando, são homens que passam nove meses por ano na Gâmbia, que apreciam o trabalho que fazem, gente de sorriso fácil, hospitaleira. Ao fundo, vejo a aldeia, separada por uma faixa de água, três adolescentes em cima de um barco que, com a ajuda de uma corda, me transportam para o outro lado, onde as mulheres amanham o peixe, onde a francofonia ganha à anglofonia. Dentro de uma cabana na qual sou convidado a entrar, um bebé dorme, o avô pergunta-me se desejo partilhar com a família o peixe que grelha em cima de uma fogueira. No exterior, o peixe, vigiado por um homem com a camisola de Didier Drogba vestida, seca ao sol. Vejo o autocarro partir mas não me incomodo, não tenho pressa, logo caminho mais, até chegar a uma das margens do rio Allahein – aqui acaba a Gâmbia, do outro lado, a região de Casamansa, no Senegal.

Kartong ainda me prende por mais algum tempo, para visitar uma quinta de reptéis, uma piscina de crocodilos (sem a dimensão da de Bakau), para um passeio de piroga no Allahein e para um almoço de yassa (peixe com arroz), acompanhado de uma Julbrew (a cerveja local).

De volta à aldeia, avisto um grupo de mulheres vestidas de forma elegante, muito maquilhadas. Em menos de nada, sou convidado a entrar num pátio onde muitas mais, pelo meio de tantas crianças, todas com roupas tão coloridas, dançam – o espectáculo, celebrando o nascimento de um bebé, agarra-me.

Está na hora de partir para Sanyang que, segundo reza a história, foi fundada há precisamente 100 anos. A atracção é imediata, a praia, tendo escapado aos problemas de erosão e de extracção que afectaram outras ao longo da costa atlântica, é a mais bonita de todo o país – na verdade, Sanyang são três praias, Pelican, Osprey e Paradise Beach. O cenário, ainda que não se possa comparar em termos de dimensão com Tanji, repete-se a cada final de tarde, barcos carregados de peixe, com muitas cores, com nomes exóticos ou portugueses (Cristiano Ronaldo), as gaivotas enchendo o céu azul.

Para o outro lado, junto-me, com amigos, numa roda onde um grupo de jovens, imitações de Bob Marley, batem nos tambores e enchem a atmosfera de um som vibrante.

O tempo passa devagar em Sanyang.

Nas areias aquecidas, os jovens exercitam-se. Logo depois, na arena do hotel onde me instalo, iniciam-se os combates de wrestling e, mal um deles toca com os ombros no chão, levantando uma nuvem de areia, a música  ecoa – está encontrado o vencedor.

Na praia, um grupo de jovens joga futebol com balizas improvisadas.

O sol, tão alaranjado, mergulha no mar.

As pedras de Wassu

Sanyang é a minha base na Gâmbia mas naquele dia decidi embrenhar-me pelo interior do país, recorrendo ao transporte público para chegar a Georgetown. Jangjang-Bureh, como também é designada, foi um importante centro administrativo e de comércio durante a ocupação britânica, com mais atracções (incluindo zonas limítrofes) do que qualquer outra cidade da Gâmbia, a maioria delas intimamente ligada ao tráfego de escravos.

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Gosto de errar pelas ruas de Jangjang-Bureh, onde foi construída a primeira escola secundária e erguida a primeira igreja católica, de admirar armazéns do período vitoriano tardio, monumentos, de vadiar pelas redondezas, perscrutando campos onde se cultiva o arroz e onde crescem os amendoins.

No hotel, nessa noite, o proprietário dá-me o número de telemóvel de um capitão de um barco que me pode trazer, a troco de pouco dinheiro, de volta desde Kuntaur até Georgetown.

Na manhã seguinte, entro num autocarro que me deixa nas proximidades de Wassu, onde pretendo ver as pedras circulares. Uma única turista, acompanhada de um guia, anda por ali a fotografar estas pedras, algumas delas com mais de dois metros de altura e pesando várias toneladas, pedras que datam de 500 d.C. (umas são mais recentes) e cujas origens são incertas.

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Deito ainda um olhar ao pequeno museu e, a pé, percorro os dois quilómetros que me separam de Kuntaur. Sento-me numa das margens do rio, onde as crianças nadam, onde uma mulher lava a cabeça, por onde passa, uma vez ou outra, uma piroga.

Dirijo-me a um barco e interpelo o capitão. Ele já me esperava. Chego a acordo quanto ao preço a pagar.   

Em África, aprende-se rapidamente a ser paciente. No interior do barco ou no exterior, com as crianças que me olhavam como uma espécie em vias de extinção, fui esperando que chegasse o combustível que nos permitiria partir.

Horas de espera.

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A meio da tarde, finalmente, escutei o ruído do motor. Anunciava-se um pôr de Sol mágico, uma ou duas horas após a partida. De repente, o silêncio no meio daquela vastidão. Acabara a gasolina e o barco navegava agora, já a noite caíra, ao sabor da maré e do vento, embatendo contra os ramos das árvores nas margens. Eu temia também os mosquitos, talvez até mais do que os crocodilos ou os hipopótamos. Um ou outro barco cruzava-se connosco mas ninguém podia disponibilizar combustível. Os ruídos da noite tornavam-se cada vez mais assustadores. Acabei por adormecer no convés, tapado com uma manta da cabeça aos pés. Quando acordei, ao nascer do sol, o barco estava atracado na margem do rio, em Georgetown, não muito longe do hotel que me devia ter acolhido nessa noite, o ajudante ainda dormia e o capitão já estava, provavelmente, em casa. Passei o resto do dia em Sanyang, na praia, a poucos metros de holandesas, belgas e alemãs que se deixavam seduzir por jovens, como num jogo de damas. Avançam as brancas?

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