“Coesão sem convergência com a Europa não interessa para nada”

O economista liga a travagem da convergência de Portugal com a UE à política que tirou o protagonismo à região de Lisboa para o país ser mais coeso. Que ficou também mais pobre. “Estamos a dar cabo da convergência de Portugal com a UE porque estamos a dar cabo de Lisboa”.

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Diz Augusto Mateus: "Se há variável que não posso penalizar na convergência é o investimento, o bom investimento, que traz o crescimento” Daniel Rocha

Os fundos estruturais da União Europeia puseram os estados-membros a verem-se a um espelho comum a compararem as suas economias. Há pouco mais de três décadas que Portugal também o faz e desde 2008 que a imagem não muda: “o que se vê é a travagem da convergência do país” a par do declínio da Área Metropolitana de Lisboa, constata o economista Augusto Mateus, que tem coordenado estudos sobre o impacto da integração europeia. Entregou o último no início do ano à Comissão Europeia, a pedido desta, que queria perceber as razões da pouca eficácia da aplicação dos fundos estruturais no país.

A travagem da convergência significa que Portugal, ao fim de 100 mil milhões de euros em fundos estruturais que lhe foram atribuídos desde o primeiro quadro comunitário – chegaram a representar 3% do PIB -, está a descer no ranking das economias europeias, a ser ultrapassado por vários países do Leste e só agora regressou ao nível de 2008. Desde 2015, a Lituânia, que já passou 80% do PIB per capita da União Europeia (em paridades de poder de compra), a Estónia e a Eslováquia ultrapassaram a economia portuguesa e agora aproxima-se a Polónia. Este é o retrato da família mais próxima, do chamado grupo da Coesão. Portugal está nos 77% da média europeia e assim deverá ficar pelo menos mais dois anos, segundo as previsões de Bruxelas, com tendência para continuar a descer de posição. Em 2000, estava em 83%.

Augusto Mateus já disse que houve “dinheiro a mais”, que foi mal gasto, mas especialmente foram “erros” e “ilusões” que levaram à travagem portuguesa. As opções políticas nacionais deram prioridade à coesão interna na utilização dos fundos estruturais, em vez de Lisboa continuar a ser o motor de crescimento, permitindo a diminuição das diferenças de riqueza entre as várias regiões do país. A disparidade regional passou de 23% em 2000 para 18% em 2016, de acordo com o INE.

Usa a imagem de uma turma para explicar como discorda do trajecto português. Não é a visão política preferida. “Se numa turma com dois alunos entre o 18 e o 16 e o grosso da sala com 9 a 10, eu der atenção a este segundo grupo, convencido que se o de 18 tiver 14, e os de 9 chegam a 13, no final a turma ficará pior se o melhor aluno da turma ficar pior. Os melhores alunos têm sempre impacto positivo nos outros. Não pode haver mais coesão, estando pior”. E continua com a turma: “se o desvio-padrão das notas passa de 25 para 10, mas as notas que antes eram positivas passam a negativas, prefiro maior desigualdade com notas positivas do que menor mas com notas negativas.” Aplicado ao país, defende, significa que “a coesão sem convergência não interessa para nada”.

Entre 2000 e 2015, uma região passou a ter uma riqueza media per capita superior à média nacional (Alto Alentejo) e outras (Beira Baixa e Baixo Alentejo) ficaram muito mais próximas desse patamar. Augusto Mateus alerta para o risco estatístico do Alto Alentejo, uma região com um porto mas com população e dinâmica económica fracas e para o que antecedeu esta mudança: o empobrecimento relativo da Área Metropolitana de Lisboa que a está a empurrar para baixo da média europeia. Nos anos 1990 foi o motor de crescimento económico do país, mas as críticas à macrocefalia do território levaram à mudança de rumo em favor de uma maior coesão interna, nos anos 2000.

“Estamos a dar cabo da convergência de Portugal com a UE porque estamos a dar cabo de Lisboa”, defende, e esta “tem poucos recursos e recursos que não são valorizados, deixou de ser protagonista das políticas estruturais e, com isso, apoucamos o ritmo de desenvolvimento económico do país”.

“A luta contra a desigualdade interna reduziu a velocidade de fundo de transformação da economia”, frisa, apontando a persistência em “investir recursos no que não tem futuro e estar tempo de mais” em sectores tradicionais, a que se juntaram os problemas orçamentais e financeiros do país e as reformas da troika - todos ajudaram a carregar no travão. Para Augusto Mateus, foi a “destruição do processo de acumulação de capital”. Ainda que com um reparo: as finanças públicas equilibradas são “uma condição necessária, não suficiente. Se há variável que não posso penalizar na convergência é o investimento, o bom investimento, que traz o crescimento”.

Na última década e meia, a família europeia aumentou de 15 para 28 e integrou membros muito diferentes. “No essencial, o alargamento está digerido pela UE e temos agora condições parecidas com as que tínhamos nos anos 1990. Isto tinha como pressuposto que os países iniciais da Coesão tinham convergido”. O “velho” grupo da Coesão (Portugal, Espanha, Irlanda e Grécia) desfez-se, a Irlanda e a Espanha subiram no ranking enquanto Portugal e Grécia, que tiveram severos programas de resgates, não descolaram dos últimos, “onde não era suposto estar”.

Com a entrada dos novos membros da UE, “gerou-se um modelo de desenvolvimento sem coesão territorial e interna com base em pólos de desenvolvimento, normalmente as regiões mais desenvolvidas”, explica Mateus. “A República Checa cresce muito mas é Praga que cresce, a Polónia cresce muito mas é Varsóvia, a Eslováquia cresce muito mas é Bratislava. Estes países trazem um novo modelo de desenvolvimento que é convergência sem coesão interna: convergem rapidamente em paridades de poder de compra com o nível médio de vida da UE mas divergem internamente porque o investimento estrangeiro, especialmente alemão, que é um elemento-chave de dinamismo económico, concentra-se nas regiões mais desenvolvidas dessas economias. E os números da Europa alteram-se”.

Nesta família alargada, um único país - citando o estudo - melhora a sua posição no contexto europeu reforçando ao mesmo tempo a coesão interna, entre 2000 e 2014: a Alemanha. “É o único país que tem verdadeiramente convergência – não é convergir com os outros porque teria de andar para trás -, está a melhorar no contexto europeu e a reduzir as suas disparidades internas, em riqueza per capita. É o único que melhora nos dois sentidos.”

Bulgária, Eslováquia, Roménia, Polónia, República Checa, Hungria, Croácia, Malta e Eslovénia “melhoram bastante do ponto de vista europeu, mas perdem coesão”, e os que ficaram internamente “mais coesos no atraso” são Áustria, Bélgica, Portugal, Finlândia, Itália e França.

“Não se consegue perceber a ascensão de Matteo Salvini, em Itália, sem olhar para o percurso do país. É o que mais perdeu, é um drama. Passou de 20% acima da média europeia [em 2000] para estar nos 90 e pouco” [95% em 2018].”

“Primos e irmãos”

Com este estudo que buscou novas imagens de conjunto, diz não ter encontrado “qualquer evidência” de que a região metropolitana de Lisboa esteja mais longe do resto do país do que as suas congéneres europeias. “Pelo contrário, é das mais bem-comportadas”, afiança. Constatou que as capitais com riqueza muito superior ao resto do país à frente de Lisboa são Londres, Bratislava, Bucareste, Praga, Budapeste, Sofia, Paris, Varsóvia, Atenas, Bruxelas e Berlim. No grupo mais restrito de regiões mais alinhadas em que está Lisboa, estão também Viena, Zagreb, Liubliana, Dublin, Roma, Copenhaga e Helsínquia. 

Voltando ao retrato de família, o estudo também foi comparar as regiões portuguesas “com os seus primos e irmãos europeus”, tendo criado “clubes de convergência”. Mateus pergunta por que “por exemplo, há-de o Alentejo ter como referência Lisboa e não os alentejos da Europa e por que a Madeira e os Açores pensam no continente e não nas outras ilhas europeias”. E constatou que o Algarve está ligeiramente acima do seu clube de convergência, Alentejo, Açores e Madeira estão alinhados. “São regiões que não podem melhorar drasticamente a não ser que a Europa melhore drasticamente e Portugal melhore drasticamente. Não se faz convergência redistribuindo, faz-se com um novo modelo de desenvolvimento que seja mais equilibrado”.

Apesar de um balanço crítico para o trajecto português, Augusto Mateus encontra sinais de mudança na visão da “rivalidade regional e nacional para uma visão de cooperação e promoção”. Há 10 anos, as regiões de Monção e Melgaço disputavam o Alvarinho, hoje criaram “o território do Alvarinho”, por causa da internacionalização. Vê outras mudanças no agro-alimentar, que duplicou o seu peso nas exportações de bens transaccionáveis.

“Temos de evitar o desastre italiano. Portugal continua com problemas de qualificação, progredimos muito em relação ao Portugal do passado, mas não tanto em relação ao mundo e à Europa desenvolvida”. Foi tempo perdido? “Não, foi tempo de reestruturação” mesmo continuando “cheios de riscos e dificuldades”.

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