Morreu Robert Morris, o artista das coisas simples que (também) permitem brincar

Foi um dos fundadores e teóricos do minimalismo e da land art. Serralves mostrou em 2011 os seus filmes e vídeos, e uma instalação que transformou o hall do museu num inesperado parque infantil.

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Instalação Bodyspacemotionthings no Museu de Serralves Lara Jacinto
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Uma criação de Robert Morris no Museu Guggenheim de Bilbau, em 2000 Vincent Wes/REUTERS

Muitos portuenses e visitantes do Museu de Serralves recordarão ainda a experiência invulgar, inesperada, de terem podido brincar numa espécie de parque infantil, entre o Verão e o Outono de 2011, quando acorreram à exposição intitulada Bodyspacemotionthings, que dava a conhecer em Portugal a obra de Robert Morris. Aí se podia “brincar” numa instalação em madeira, que continha cilindros, rampas, prateleiras e outros convites irresistíveis a escalar uma obra de arte que não era como as outras.

"Corpo-espaço-movimento-coisas" eram conceitos operatórios bem familiares à obra de Robert Morris, o escultor norte-americano falecido esta quarta-feira em Nova Iorque, aos 87 anos, vítima de pneumonia. É um dos nomes grandes da arte mundial da segunda metade do século XX, desde que, na década de 1960, se associou a muitas outras figuras que revolucionaram o meio, entre os quais Donald Judd, com quem colaborou na revista Artforum.

Escultor, coreógrafo, artista conceptual, Robert Morris é normalmente associado ao movimento do minimalismo – “menos é mais” –, da land art e da arte processual. Mas cultivou também a dança, o cinema, o ensaísmo. E em diversos momentos baralhou estas classificações e estas fronteiras disciplinares, como se pôde verificar na referida exposição no Museu de Serralves, em que paralelamente ao citado “parque infantil” se pôde ver uma selecção dos seus filmes e vídeos.

Nascido em Kansas City em 1931, começou por estudar engenharia – e isso ajudará a entender a sua atenção à matéria, às suas formas, resistências e possibilidades. Virou-se depois para as artes e para a filosofia, disciplina em que se formou entre a universidade da sua cidade natal e a Escola de Belas Artes da Califórnia, em São Francisco.

Após a sua passagem pelo exército americano no início da década de 1950, servindo no destacamento de engenharia entre o Arizona e a Guerra da Coreia, desenvolveu as suas primeiras experiências artísticas ainda na Costa Oeste, seguindo a linguagem do expressionismo abstracto. Mas o encontro (e o casamento) com Simone Forti, bailarina e coreógrafa, em 1956, abriu-lhe caminho para novas vias de expressão, mais ainda quando ambos se mudam para Nova Iorque, onde vão encontrar um lastro vivencial e criativo moldado por figuras como Andy Warhol, Claes Oldenburg e Donald Judd, mas também John Cage e Merce Cunningham e o colectivo Judson Dance Theater. Será com Forti e com este movimento que Morris coreografará, desenhará cenários e adereços, e também dançará várias peças: entre elas destacou-se Column  nota o obituário do The New York Times –, cujo monólito em contraplacado é por muitos considerada a primeira escultura minimalista.

Morris utiliza este material nas suas obras seguintes, que vem a expor, em 1964, na Green Gallery, em Manhattan. Porque se tratava de uma madeira “barata, abundante, normal e ubíqua”, justificou então.

Dois anos depois, o artista passa a expor na Leo Castelli, galeria que o representará pelo tempo adiante, e começa também a colaborar na Artforum.

“A importância do seu trabalho minimalista não esteve apenas na introdução de um novo estilo de abstracção, mas em estabelecer um novo modo de relação entre o espectador e a obra de arte”, nota o crítico do NYT Ken Johnson.

Nas décadas de 60 e 70, a carreira de Robert Morris atinge o pico – em 1972, Peter Schjeldahl escreve no The Times: "Morris tornou-se, a dado momento, uma presença quase transcendente no mundo da arte, um artista que parecia não poder fazer nada de errado”. Data dessa fase aquela que é talvez a sua aparição mais polémica, quando em 1974 posou com um capacete nazi e adereços sadomasoquistas para o cartaz de uma exposição.

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A sorte mudaria, contudo, no final desta década, com a emergência de novos nomes e de novas estéticas, nomeadamente com o neo-expressionismo de um Julian Schnabel ou a arte neo-pop de Barbara Kruger, ambos cultivando uma dimensão mais política nas suas criações. Mas Morris continuou a fazer o seu caminho, já na altura amplamente reconhecido e caucionado através de exposições, por exemplo, no Whitney Museum de Nova Iorque (1970), na Tate Modern de Londres (1971) e, de novo na big apple, no Guggenheim (1994), naquela que foi a maior retrospectiva da sua obra, depois mostrada também em Hamburgo e em Paris.

Em 1993, na introdução a um volume de ensaios seus, Continuous Project Altered Daily, Morris escrevia: “Mais do que provar ou demonstrar alguma coisa, o que eu quis foi investigar; e mais do que afirmar alguma coisa, eu quis negar”.

E também quis brincar, ou permitir brincar, como se pôde ver na citada mostra no Museu de Serralves, quando, num programa comissariado por João Fernandes e Ryan Roa, foi apresentado como “um dos grandes protagonistas da mudança de paradigma nas linguagens artísticas contemporâneas, promovendo a improvisação e a colaboração entre as artes visuais e a dança, cruzando a linguagem minimalista com a arte processual em obras que encontram os seus momentos de apresentação fora dos espaços da galeria ou do museu, criando projectos artísticos de grandes dimensões na paisagem". E que encontrou também no cinema o suporte e o registo para muitas das suas acções e criações efémeras.

Robert Morris morreu esta semana, mas ainda no final de Outubro esteve presente na inauguração da nova exposição que a Galeria Castelli, uma vez mais, lhe dedicou, com o título Banners and Curses – e que pode ser visitada até 25 de Janeiro.

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