O Orçamento que inaugura o fim de um ciclo

Agora a campanha eleitoral vai começar. Esperemos que fique a salvo das tentações eleitoralistas que os partidos já começaram a esboçar na aprovação do Orçamento.

A recta final que levou até à aprovação do Orçamento do Estado de 2019 dava um excelente trailer de um filme indiano. Numa repetição do movimento e drama que faz parte do código genético da base parlamentar de apoio ao Governo, houve zangas, insultos, ameaças, pequenas traições, insinuações e provocações, mas no final do enredo António Costa, o herói da fita, acabou por sobreviver a todos os problemas e apareceu sorridente com quatro dedos em riste a sinalizar outros tantos orçamentos aprovados.

É obra, ainda que imperfeita – o Orçamento de 2019 continua a ser um exercício em que há um claro desequilíbrio entre as respostas aos problemas do Estado e da função pública e as que têm como destino a economia e o sector privado.

A encenação faz parte do jogo parlamentar, mas, desta vez, a necessidade dos partidos de fazerem barulho para serem notados pelo eleitorado chegou a níveis surreais. Impávidos e serenos, o Governo e o PS impuseram, no essencial, as suas regras, porque, como notou Carlos César, “os partidos, pródigos nas promessas, tornaram-se, afinal, mais acanhados, quando se tratou de as fazer valer”.

E foi fácil ao Governo sobreviver à torrente de quase mil propostas de alteração, porque, na verdade, a maioria dessas propostas tinha como único objectivo fazer prova da existência da oposição. Do voto sobre vacinas sem qualquer parecer científico à inacreditável imposição de uma agenda negocial ao Governo com os professores cuja única utilidade é ficar bem com essa determinante classe eleitoral, houve de tudo um pouco. Até touradas.

Não é, no entanto, a dissimulação que leva o Bloco a criticar a “soberba” do PS ou o PCP a invocar o horror da atenção concedida à dívida para depois votarem de cruz o Orçamento que merece ser destacada por estes dias. Com todos os seus riscos, com todas as suas evidências de que este Governo é prisioneiro do ciclo curto, com todas as incertezas sobre a conjuntura internacional que o Orçamento descura, com todos os golpes de teatro no IVA ou nas coligações negativas, facto é que António Costa e o seu Governo vão mesmo cumprir a legislatura, facto é que o PCP e o Bloco revelaram uma disposição para o compromisso surpreendente.

Agora, e ao contrário do aviso de Catarina Martins, a campanha eleitoral vai começar. Esperemos que fique a salvo das tentações eleitoralistas que os partidos já começaram a esboçar na aprovação do Orçamento.

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