Depressa e bem, vivemos aquém

Sinto que é realmente importante abrandar. A serenidade e a calma são essenciais para ressuscitar a nossa faceta mais humana.

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E se, de repente, conseguíssemos introduzir a expressão “o tempo passa a andar” no nosso leque de frases feitas? Seria estranho, não acham? Parece que nem soa bem. Talvez isso se deva ao ritmo frenético com que, inconscientemente, pautamos as nossas vidas. Da buzinadela quando fica verde e o carro da frente não avança até ao sprint para a paragem do autocarro, vivemos constantemente em excesso de velocidade. Ao que parece, isto não se passa apenas connosco. À nossa volta, tudo se tem vindo a tornar acelerado e instantâneo. São os produtos colocados na fruta para amadurecerem mais depressa, as rações para os animais crescerem à velocidade do homem ou os comprimidos para ganharmos músculos que não são nossos. Moral da história: não há tempo (como o nosso).

Hoje em dia é tudo muito rápido — não confundir com intenso. Sobrevivemos depressa, a natureza deixou de ser orgânica e passou a ser à pressa, mas não somos apenas nós e aquilo que nos rodeia. Actualmente produzem-se também informações e distracções como nunca. Felizmente, tudo está acessível e aqueles que estiverem bem preparados podem usufruir desta facilidade. As discussões de amigos à volta de uma dúvida terminaram. Não temos de chegar a casa para consultar o dicionário nem a enciclopédia, basta perguntar ao Google. Por outro lado, começamos a perceber que a ignorância não se explica apenas através das restrições e limitações como outrora fazíamos. Se estamos na era da informação livre e disponível, porque será que muitos ainda escolhem alimentar a sua ignorância?

Na minha opinião, a facilidade com que se pode obter tudo leva-nos a “adormecer” os nossos sentidos. Eu recordo-me de ser miúdo e só poder ligar a Internet a partir das 21h porque era mais barato. Ao contrário dos dias de hoje em que posso estar ligado 24 horas se me apetecer, naquela altura só podia desfrutar de duas horas antes de ir para a cama. Aqueles 120 minutos tinham de dar para tudo: download de músicas, pesquisas aleatórias e conversas no mIRC. Tudo era fascinante e saboreado ao segundo. O mesmo se aplicava ao rolo da minha máquina fotográfica. Por não serem ilimitados, os disparos eram meticulosos e planeados ao pixel. Todas as fotografias contavam, nenhuma ficava de fora. Não quero ser saudosista, mas a verdade é que esta magia se desvaneceu com a modernização.

Os momentos de pesquisa e procura também foram invertidos. Antigamente, tínhamos de ir literalmente atrás da informação que queríamos descobrir. Hoje parece que alguém escolhe por nós: o YouTube sugere-nos vídeos, o Spotify cria-nos playlists e o Facebook mostra-nos as publicações que bem entende — “algoritmos” dizem eles. Silenciosamente, estamos a desligar-nos das nossas capacidades de iniciativa e poder de escolha. Alguém faz por nós, alguém explica, alguém vem-nos dizer. Eu adoro tudo o que conseguimos, da liberalização do conhecimento às novas formas de nos conectarmos, mas quão perigoso isto pode ser para o nosso desenvolvimento se não for bem direccionado?

Dos stories do Instagram às tendências do YouTube, tudo é efémero e de rápido consumo. Quando vamos a ver, já passou. Somos sedentos por novidade, ficamos ansiosos só de pensar que pode não surgir algo que nos chame à atenção. Nem na casa de banho conseguimos estar sossegados se não tivermos o telemóvel connosco. Queremos sempre mais e mais, é uma espécie de adição consumista, mas que não nos obriga a entrar numa loja. Está tudo ali, tão fácil, basta ir deslizando. Toda esta sede distrai-nos. O facilitismo torna-nos preguiçosos e pouco resilientes. Se tiver mais que duas linhas, já dá muito trabalho a ler. Se nos obrigar a pensar, então já é uma seca. Se não estiver online, já estou fora de jogo.

Sinto que é realmente importante abrandar. A serenidade e a calma são essenciais para ressuscitar a nossa faceta mais humana. Voltemos a ligar-nos ao que importa: as pessoas, a natureza e os lugares. A nossa criatividade e estímulos não podem continuar reféns desta corrida. As horas não voam nem a vida é curta (desde que seja cumprida). O tempo só passa a correr porque ainda não o pusemos a andar. Vamos a isso?

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