“Tenho seis meses de vida”

A vida passa a correr, dizemos muitas vezes. E o que fazemos para sentir que a aproveitamos ao máximo?

Vivemos a mil à hora, numa correria sem fim. Atrasados, sem tempo, numa vida em que tudo é urgente, tudo é para ontem. “Não tenho tempo” é, seguramente, a frase que mais ouvimos. Da nossa boca e da boca dos outros.

E queixamo-nos que não temos tempo para os filhos, para a família, para os amigos. Que andamos há meses (ou anos) para ir ao teatro ou ao cinema. Para ver um filme que não seja da Disney! E queríamos ter ligado a um amigo. Visitado um familiar. Queríamos ter viajado. Queríamos ter feito coisas diferentes. Queríamos ter feito a diferença neste mundo.

Mas não fizemos. Porque não temos tempo. Depois faço... Depois digo... Depois vou... Depois, depois...

Neste contexto, proponho fazermos um exercício de imaginação. Onde quer que esteja, sente-se e feche os olhos. Devagar, tente abstrair-se de tudo o que o envolve. Respire fundo, mas mesmo muito fundo. Isso... Agora, de olhos fechados e com a respiração mais lenta, vamos imaginar. Imaginar que alguém nos diz: “Tens seis meses de vida." Isso mesmo, temos apenas seis meses de vida.

Com este cenário, vamos imaginar o que pensamos e o que sentimos. Vá, eu espero...

Devagarinho, abrimos os olhos. Voltamos a focar-nos no ambiente envolvente. O que pensamos? O que sentimos? Que decisões tomamos?

Pois é... custa imaginar isto. Mas penso que às vezes faz falta. Rever o que fazemos da nossa vida. O que fazemos na nossa vida. O que fazemos com a nossa vida. E com a vida dos outros. O que mudávamos? O que faríamos? O que não faríamos? Quais as nossas prioridades? A vida passa a correr, dizemos muitas vezes. E, ao mesmo tempo, o que fazemos para sentir que a aproveitamos ao máximo?

Num dos seus muitos sábios ensinamentos, Snoopy (pois é, um cão!) diz-nos que não se vive apenas uma vez. Vive-se todos os dias. A morte, sim, essa apenas acontece uma vez. Mas tendemos a esquecer-nos disso.

Se eu tivesse apenas seis meses de vida...

...dizia às pessoas de quem gosto o quanto gosto delas.

...faria aquela viagem que prometi a mim mesmo há tanto tempo.

...integrava uma missão de voluntariado, como sempre desejei fazer.

...arranjava espaço dentro de mim para o amor.

...ou não fazia nada de especial. Vivia. Respirava e sentia o ar fresco da manhã. Ouvia o mar e o canto dos pássaros. Cheirava as flores e a terra molhada. Sentia a chuva e o calor do sol. Observava as mil maravilhas que existem à minha volta. Sentia as pessoas de quem gosto e que me fazem bem.

Aprendia a dar valor ao que tenho e a quem tenho. Ao que sei e ao que não sei. A tudo o que já vivi, mesmo às coisas menos boas. Porque também essas fazem parte de mim e me ajudaram a crescer e aprender. Porque são essas situações menos boas que nos ajudam a encontrar vantagens nas desvantagens.

Quanta vezes minimizamos os aspectos positivos da nossa vida, maximizando os negativos? Quantas vezes catastrofizamos, vemos o mundo a preto e branco ou, pior ainda, todo negro? Distorções na forma de interpretar a realidade, que apenas aumentam a probabilidade de perturbação emocional.

Pensar que podemos ter apenas seis meses de vida ajuda-nos a relativizar. Ora vamos lá ver o que é importante, afinal. E o que é totalmente secundário.

Existe uma pergunta que podemos fazer a nós próprios e que nos ajuda neste processo de relativização. Pensarmos tão somente “daqui a cinco ou dez anos, quão importante será isto na minha vida?”. E, não raras vezes, percebemos que estamos a valorizar (ou hipervalorizar) situações que não são assim tão importantes...

Não temos apenas seis meses de vida. Acreditamos nós. E fazer este exercício imagético pode ser doloroso e fazer-nos chorar. Pode activar em nós emoções negativas, é certo. Mas talvez nos ajude, de quando em vez, a rever as nossas prioridades, as escolhas que fazemos e os caminhos que percorremos.

Talvez nos ajude a valorizar quem temos e quem somos. Que pensar assim, ainda que num mero exercício de imaginação, nos ajude a olhar a vida de outra forma.

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