GNR obriga maquinista a fazer teste de álcool no hospital e atrasa circulação de comboios

Patrulha da GNR chamada por causa de suicídio na linha obrigou maquinista a deslocar-se ao hospital para fazer teste de alcoolemia e de estupefacientes, como faz em casos de acidentes de viação.

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Nelson Garrido

A insistência da GNR em levar um maquinista ao hospital para que este fizesse testes de alcoolemia e de detecção de estupefacientes, depois de o comboio em que seguia ter parado por causa de um suicídio na linha, próximo do Pinhal Novo, há duas semanas, provocou atrasos na circulação de comboios. Na composição em causa, o atraso terá sido de pelo menos uma hora.

A situação ocorreu pelas 12h45 e afectou o comboio que liga o Barreiro a Setúbal, que seguia numa viagem de rotina. O maquinista do comboio n.º 17227 accionou de imediato o freio de emergência, que faz o comboio parar no mais curto espaço de tempo possível, mas não conseguiu evitar a situação. Uma composição ferroviária, neste caso uma automotora UTE (Unidade Tripla Eléctrica), precisa sempre de algumas centenas de metros até se imobilizar.

Chamadas as autoridades, uma patrulha da GNR tomou conta da ocorrência mas, à semelhança do que sucede com os acidentes de viação, exigiu ao maquinista que se deslocasse ao hospital mais próximo para fazer testes de despistagem de álcool e de estupefacientes.

Porém, segundo os regulamentos, um maquinista não pode nunca abandonar o comboio que conduz, a menos que seja substituído por outro. A composição não poderia ficar parada e desligada em plena via, com os passageiros no seu interior.

Em vão a tripulação da CP tentou explicar aos militares da GNR que se tratava de uma acidente ferroviário e não rodoviário.

Substituído por colega

Mas as autoridades insistiram em cumprir os regulamentos próprios dos acidentes de viação e a CP não teve outro remédio que mandar vir outro maquinista para substituir o colega que foi ao hospital de Setúbal fazer testes, cujos resultados foram negativos.

Quanto aos passageiros, estes tiveram que aguardar que viesse outra composição do Barreiro. Uma outra automotora parou em plena via, e através de uma pranchas que foram lançadas entre as portas das duas composições, puderam fazer transbordo e seguir para o seu destino.

Os procedimentos da GNR contrariam uma nota do manual da Escola da Guarda [Nacional Republicana] que diz que “a colisão entre uma composição ferroviária e um veículo, aquando do atravessamento numa passagem de nível, é considerada acidente de viação, não estando o maquinista sujeito aos normativos constantes do Código da Estrada, nomeadamente a sujeição a testes de detecção de álcool e substâncias psicotrópicas”. A mesma nota esclarece ainda que os peões colhidos por composições ferroviárias aquando do atravessamento de passagens de nível ou de outro local das linhas ferroviárias, não são considerados acidentes de viação.

Questionada a GNR sobre este caso, o seu porta-voz tenente-coronel Helder Barros disse que as perguntas do PÚBLICO estavam a ser estudadas internamente do ponto de vista jurídico, mas não respondeu.

A CP, à qual o PÚBLICO enviou também um conjunto de perguntas sobre esta situação, limitou-se a responder que a empresa “não comenta a actuação das autoridades e cumpre a lei, acatando as suas ordens, conforme estabelecido para todos os cidadãos, sob pena de incorrer em crime de desobediência”.

Por sua vez o Sindicato dos Maquinistas, contactado pelo PÚBLICO, também não respondeu.

Excesso de zelo?

Um maquinista da CP, contactado pelo PÚBLICO, considera que terá havido excesso de zelo ou desconhecimento das normas por parte da GNR porque existe uma nota ainda da antiga Direcção-Geral de Viação que diz claramente que em situações deste género numa via férrea não podem ser tratados com um acidente rodoviário, pelo que o maquinista não está obrigado aos mesmos procedimentos de um condutor. Este maquinista dá ainda conta de que na CP há falta de informação interna porque não há nenhum documento que informe os maquinistas sobre como proceder perante a insistência das autoridades em abandonar o comboio para ir a um hospital.

Apesar de tudo, no Pinhal Novo ainda foi relativamente fácil substituir o maquinista. Situação mais complicada seria se tal tivesse acontecido com um Alfa Pendular ou um Intercidades parado em plena via numa linha de longo curso. O maquinista demoraria horas a ser substituído e a circulação ficaria interrompida.

O PÚBLICO questionou também o Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT), ao qual compete zelar pela segurança no sistema ferroviário, mas os seus responsáveis não fizeram comentários sobre o caso.

A circulação dos comboios obedece a regras próprias e uma delas dita que o maquinista não pode ausentar-se do comboio porque isso compromete a segurança da composição e dos passageiros, além de degradar o serviço porque outros comboios ficam parados em plena via. 

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